18 de dezembro de 2009

Síndrome de Raul

Sou a mosca na sua sopa
Sou a roupa daquela moça
Que você sempre quis ver nua

Sou a mosca no seu ouvido
Sou o zumbido insuportável
Que o impede de dormir

Sou a mosca na sua merda
Que pousa na sua comida
E lhe provoca indigestão

Sou a mosca morta
Parada na sua porta
Implorando por seus restos

Mas você nunca me nota.


16 de dezembro de 2009

Kiss me

Eu tinha dezesseis anos. Todas as minhas amigas já tinham beijado, menos eu. Não porque eu fosse feia e nenhum garoto quisesse me beijar, mas porque eu tinha muito medo.
Eu sabia todos os passos, desde o grau de inclinação da cabeça à altura de elevação do pé. Eu já tinha assistido centenas de filmes, treinava com gelo, laranja, manga, e fazia todos os testes de “você está preparada pra beijar?” da Capricho, Atrevida, Tititi e qualquer outra revista teen que pudesse me alienar do mundo. No espelho eu ficava ensaiando uma forma sexy de fechar os olhos - sem forçar demais, pra não parecer que não estava gostando, mas sem forçar de menos, pra não ficar piscando. Eu sabia que não podia fazer muito biquinho pra não parecer iniciante, e não podia ficar girando a língua feito hélice de helicóptero também. Levava na bolsa pastilhas de menta, hortelã e canela, além de escova de dentes e fio dental. Quando saía, nunca comia coisas com cebola, alho ou ovo. E o principal: eu sabia de cor a lista de meninos que eu supostamente havia beijado, porque se assumir como “BV” é suicídio pra meninas de dezesseis anos.

Eu tinha passado os últimos quatro anos evitando qualquer aproximação com o sexo oposto. Sempre que algum garoto demonstrava interesse em mim, eu inventava um namorado lindo que morava no acre. Isso até conhecer Marcos Alexandre, o novo amigo do meu irmão mais velho. Ele não era bobo como os meninos da minha sala. Era alto, forte, e tinha barba. Toda vez que eu olhava pra ele, eu imaginava a barba dele roçando no meu rosto, me fazendo cócegas, enquanto ele sussurrava barbaridades em meu ouvido. Quando eu pensava nisso dava um arrepio no corpo todo, uma agonia quente que vinha subindo desde o pé, e eu tinha que cruzar as pernas pra conter a onda de... tesão. Eu sei que é estranho uma menina que nunca beijou falar em tesão, mas eu tenho pra mim que sexo é bem mais fácil que beijo (e espero que seja mesmo).

As coisas com Marcos Alexandre ficaram mais complicadas quando ele começou a reparar em mim. Ele passava na minha casa à procura do meu irmão, mas quando meu irmão não estava, em vez de ir embora, ele ficava conversando comigo durante horas. Nós ríamos muito, e quase nos beijamos uma vez, mas eu não tive coragem. Me fiz de doida e virei o rosto. Fiquei me sentindo uma idiota na hora, mas depois achei que tinha sido melhor assim. Eu estava há muito tempo sem escovar os dentes, e nós tínhamos comido amendoim com casca enquanto assistíamos à sessão da tarde – imagina se tivesse uma casca de amendoim bem no meu dente?

Um dia Marcos Alexandre me chamou pra ir a uma festa com ele. Na hora eu fiquei surpresa que um homem de vinte e um anos quisesse aparecer em público com uma menina de dezesseis. Isso me fez pensar que ele gostava mesmo de mim, o que era um sério problema, porque eu também gostava muito dele, e não queria de jeito nenhum perder a chance de dar meu primeiro beijo em alguém que eu gostasse. Prometi pra mim mesma que não teria mais medo. Vesti um vestido vermelho super decotado, prendi o cabelo – pra que ele pudesse beijar meu pescoço depois – e coloquei perfume nos lugares mais estratégicos. Escovei os dentes tantas vezes que minha boca ficou dormente, enchi minha bolsa de trident, e fiquei cantarolando uma música da Sixpence None The Richer até ele chegar.

Ele me pegou em casa, e quase nos beijamos novamente quando entramos no carro, mas eu quebrei o clima pra avisar que eu tinha que estar em casa antes das duas da manhã. Marcos Alexandre riu. Tenho quase certeza que ele já estava arrependido por ter chamado a mim pra acompanhá-lo, em vez de uma menina madura que o deixasse beijar em paz. Mas se ele estava mesmo arrependido, não demonstrou. Quando chegamos, e eu vi toda aquela gente se beijando, eu decidi que precisava de uma ajudinha. Esperei o garçom passar com as bebidas e virei um copo inteirinho de sei-lá-o-quê. Eu nunca tinha bebido na vida, então fiquei tonta na mesma hora, mas senti uma sensação tão boa de “eu sou dona do mundo” que virei mais três copos depois. Marcos Alexandre, que parecia impressionado com a minha performance de adolescente irresponsável, me chamou pra tomar um ar lá fora. Eu fui. Fui andando atrás dele, pra dar tempo de colocar um trident na boca, e quando chegamos à varanda – a noite estava linda – ele colocou a mão em volta da minha cintura e avisou: “vou te beijar agora”.

Parecia que um elefante dançava no meu estômago quando ele disse isso. Eu achei estranho que não fossem borboletas, como nos livros, mas só entendi o porquê quando senti todo o meu café da manhã, almoço e jantar subirem pelo meu esôfago diretamente pra minha boca. Marcos Alexandre já estava bem próximo a mim quando eu o empurrei pra frente e vomitei nos nossos pés.

Aquele foi o momento mais constrangedor da minha vida. Olhei-o como uma criança que acaba de quebrar o jarro mais caro da mãe, cobri o rosto e comecei a chorar, implorando – entre um soluço e outro – que ele me perdoasse por ter estragado seus sapatos. Foi quando eu senti uma mão erguendo meu queixo. Ele retirou minhas mãos, me puxou contra si, e me surpreendeu com o melhor primeiro beijo com gosto de vômito e temperado com lágrimas que alguém poderia me dar. Eu não tive tempo para fechar os olhos, meu pé estava nojento demais pra fazer qualquer movimento, e Marcos Alexandre, que nunca fazia a barba, decidira fazê-la justo naquela noite. Mas começou a tocar aquela música da Sixpence, e nós dançamos juntinhos sobre um chão de vômito que mais parecia um chão de estrelas... 
“Oh, kiss me beneath the milky twilight
lead me out on the moonlit floor
lift up your open hand
strike up the band and make the fireflies dance
Silver moon's sparkling, so kiss me”.

14 de dezembro de 2009

Passional

Permanece nos lábios
O asco de um novo último beijo
Talvez o último dos últimos
Talvez ainda não
Mesmo o primeiro, fora uma vez o último
O último primeiro
O primeiro último beijo
Incerto como tudo em ti

Meus dedos te tocam e não te sentem
Só tu me sentes
[como lava crepitando em tuas veias]
Mas saber do teu prazer me é prazer suficiente
Ainda que não permeie tua alma
Ainda que não transponha a muralha
Que tu ergueste em tua volta
Para que ninguém o faça
Senão ela

Ela que te faz invisível
Quando és na verdade tudo que se vê
Quando estás por toda parte
Tu e teu cheiro entorpecente
[que excita e transmuta meu corpo]

Colônia, suor
Reconheço-te pairando no ar
Adentrando cada um dos meus poros
Impondo sobre mim a tua presença insubistancial
Ora cravada em meu peito
Ora fluindo em minha mente
Que vai minguando devagar
Até saciar-se de pensar em ti

Em teus braços sou somente tua
E até quando nos braços dele
Sou também um pouco tua
Porque quando tu te vais
Sumido dentro da tua retração amarga
Levas contigo um pouco de mim
Que vai se perdendo nos outros seios em que tu te afogas
Nas outras bocas que tu beijas
No conhaque que tu insiste beber

E eu vou ficando vazia
Vazia que mim e de ti
Das vezes que tu não voltas

10 de dezembro de 2009

Do remorso

I
Remói o cérebro
ébrio do tormento etílico
típico do poeta inventado
interpretado no desejo decadente
de ser regente da própria vida
vendida a preço de banana
porque a grana é curta
e o olho é grande.

II
Enfarto fulminante da paz
que jaz na fumaça do fumo
- consumo que mata
consumindo a fome de morrer
- cadáver do sossego
no aconchego da mentira
e na mira da verdade.

III
Mordaça na boca da mente
dormente no silêncio
da iminência de falar
e entregar o pensamento mudo
com medo que os ouvidos do mundo
escutem os segredos imundos
entalados na boca do estômago.

9 de dezembro de 2009

Noites de um verão qualquer

Era uma noite escura de verão, quase não havia vento, e o mar dormia tranqüilo, coberto pelo manto negro. Mas algo me tirava o sono. Abri a escotilha para espiar a estrela do norte: ela brilhava no céu de poucas nuvens, olhando por mim como uma protetora silenciosa.
Como não conseguisse dormir, eu subi ao convés. Fingi para mim mesmo que queria apenas ver minha estrela guia mais de perto, mas eu sabia que não era isso. Meu corpo todo se arrepiava apesar da ausência de vento, meu coração batia na ponta dos dedos e minha respiração ofegava sem qualquer motivo aparente. Eu pensei que fosse algum pressentimento ruim; uma tempestade silenciosa que se aproximava, um monstro marinho faminto por minha carne dura. Pensei até em fazer uma prece – nesses momentos, acreditar em Deus parece conveniente –, mas minha atenção foi absorvida pelo canto que me inundou de repente. Era um canto diferente de tudo que eu já tinha ouvido. Não era doce, nem agressivo, nem melodioso, não era sequer afinado, era apenas uma profusão de notas e subnotas, indo e vindo dentro da minha cabeça, como ondas do mar. Era isso. O canto não me adentrou os ouvidos hora nenhuma, ele estava dentro da minha cabeça o tempo todo, feito fosse minha consciência acalentando meu cérebro cansado.
Eu sei o que vocês estão pensando. Eu também pensei que estivesse ficando louco. Não precisava ser grande intelectual pra saber o que aquele canto significava e pra saber que era impossível. Mas impossível é uma palavra abstrata, sem valor algum. Tudo é possível, mas o egocentrismo do homem transformou em mentira tudo aquilo que ele não sabe explicar, nomeou de impossível todas as possibilidades mais fantásticas. Mas eu sei disso agora. Naquela noite eu nada sabia.
O barco foi seguindo um rumo próprio, movimentando-se rápido e só, contra o vento e contra a correnteza, contrariando todas as leis físicas que eu tinha como certas. Eu vi a estrela do norte ficando pra trás e soube imediatamente que deveria fazer algo para impedir. Mas o canto em minha cabeça me chamava, e eu ia como um rato farejando queijo, mesmo ciente de que estava indo direto para a ratoeira. Era uma consciência inconsciente, entende? Não adianta saber das coisas, se não há força para resistir e controlar a situação.
O mar a noite é escuro, nada se vê através das águas negras senão o reflexo da lua. Mas naquela noite sem lua, outro astro tomou seu lugar. Era uma estrela-do-mar, por assim dizer. Uma fada das águas, meio peixe, meio gente. A lenda que todo pescador sonha em encontrar, e estava ali, diante de mim, flutuando sobre as águas. Os cabelos dela eram de uma cor entre marrom e o dourado, a pele era branca feito folha de papel, e os olhos eram notívagos e hipnóticos. Eu a olhei por um minuto – que passou lento como se fosse um ano –, e quando o fiz o canto ficou mais alto e mais claro. Ela estava tentando me dizer algo, embora sua boca nem fizesse menção de se abrir.
“Feche os olhos” Eu a ouvi dizer dentro da minha cabeça. E assim eu fiz. Fechei os olhos pensando que ia ver tudo preto, mas minhas pálpebras pareciam que eram transparentes. Eu estava de olhos fechados, mas continuava a vê-la. Seus cabelos dançavam no vento, e os reflexos nas gotas de água que espirravam em volta dela lembravam confete de carnaval recortado em papel laminado. Eu estava maravilhado, quando percebi que ela se aproximava de mim, mais e mais. Senti que uma escola de samba passava no meu peito, quando os lábios dela tocaram os meus. Tinha o gosto do meu doce preferido, e os cabelos dela, que se enroscaram no meu corpo todo, tinham cheiro de praia. Ela me envolveu naqueles braços finos e eu me entreguei como uma virgem que se submete ao macho impassível.
Acordei estirado na areia, com o sol cegando meus olhos. Meu barco nunca foi encontrado, e ninguém sabe como eu cheguei á costa. Mas eu ainda sinto na boca o gosto do meu doce preferido, e quando fecho os olhos imagino a figura dela, sugando a minha existência para algum paraíso secreto nos sete mares. Sei que jamais a encontrarei novamente. Sereias são promíscuas, se aninham nos braços de qualquer pescador e roubam seus corações para si. Ela ficou com o meu. E eu fiquei apenas com a lembrança de uma noite de verão.
Essa não é mais uma história de pescador. Aconteceu de verdade comigo. Mas eu sei que você não vai acreditar...
"A paixão pode ser avassaladora.
Muitos amores começam logo os gatos saem a noite,
e acabam-se com o canto do cotovia"

Desafio coletivo: um amor de verão.
Leia também as histórias de Pâmela, Maria Fernanda,  
Andrey, Fernanda, Matheus, Charlie e Alan Félix.

Quer participar também? Escreva e avisa pra gente.

4 de dezembro de 2009

Abiótico

No meu sonho mais lunático
Moro em território desértico
Onde tudo que nasce é de plástico
Onde todo sorriso é sarcástico
E todo amor é hipotético
Porque todo sentimento é bélico
Todo cristão é cético
Todo abraço é sintético
Todo mentiroso é mágico
Todo pagode é clássico
Todo mundo é estético
E o mundo todo é estático
O sexo é prático
O afeto é lógico
O coração é cáustico
Calcificado e analítico
Feito discurso de político
De partido democrático
Que promete ser fantástico
Mas deixa o cenário caótico
Pro povo se tornar mais católico
E ajudar o membro eclesiástico
Que vai ter um encontro orgástico
Com Jesus, o menino simpático
Que tem um pai neurótico
Por querer ser poético
Em território desértico
Onde ninguém é romântico
Onde o trabalho é robótico
O tráfico é público
O preconceito é pudico
O bom-senso séptico
E o anti-séptico é técnico
Consertando o nervo ótico
Pra perder o olhar crítico
E viver no automático.

2 de dezembro de 2009

Variações sobre um mesmo tema

Alice conheceu Renato e se apaixonou. Renato era alto e forte, apesar de meio burro. Mas sua falta de inteligência era compensada pelo romantismo. Ele mandava mensagens no meio da noite, flores no meio da tarde, e a acordava com muitos beijos e muito carinho. Era tudo perfeito. Mas alguma coisa aconteceu e Renato ficou distante. Ele não ligava mais, não mandava mais presentes, até os beijos perderam a intensidade. Era como se a paixão tivesse esfriado e o amor tivesse acabado como o leite em pó de uma lata. Alice então chorou. Chorou tanto, que seu travesseiro mais parecia uma esponja. Ela prometeu que não amaria novamente, até que

Alice conheceu Paulo e se apaixonou. Paulo também era alto, mas era muito magro. Sua falta de músculos, entretanto, era compensada pela alegria contagiante que ele expirava. Com Paulo, mesmo nos dias mais cinzas e mais tristes, havia sempre razão para sorrir. Ele fazia surpresas e a levava ao parque. Eles comiam algodão doce, pipoca, chocolate, maçã-do-amor, e voltavam para casa rindo da imensa vontade que tinham de vomitar um no outro. Era tudo perfeito. Mas alguma coisa aconteceu, e o sorriso de Paulo foi minguando. Ele já não fazia piadas, eles não já não faziam passeios divertidos, nem comiam mais doces juntos. Era como se a paixão tivesse morrido, e o amor se escondido atrás de uma nuvem escura que não chovia nunca. Alice então gritou. Gritou tanto que perdeu a voz, mas prometeu, em silêncio, que não se envolveria com mais ninguém, até que

Alice conheceu José e se apaixonou. José era um rapaz humilde, vindo do interior. Era baixo, meio entroncado, mas tinha força e inteligência. Eles estudavam juntos a tarde inteira, e era tão bom que parecia que tinham passado a tarde fazendo sexo. Era uma espécie de orgasmo mental. Ele tirava todas as dúvidas dela, e quando as notas eram boas, ambos eram recompensados com beijos, abraços e amassos de tirar o fôlego. Era tudo perfeito. Mas alguma coisa aconteceu e José mudou. Ele agora dizia que preferia estudar só, porque aprendia mais; também não tinha paciência para tirar dúvidas, e se não havia notas boas, não havia recompensa. Era como se a paixão tivesse fugido do coração atrofiado pelo crescimento do cérebro. Alice então sofreu. Sofreu dias a fio, mas prometeu que seria a última vez, até que

Alice conheceu Gabriel e se apaixonou. Gabriel era evangélico fanático, andava sempre com a bíblia embaixo do braço. Mas seu dinheiro compensava qualquer infortúnio causado pela promessa de virgindade. Ele a levava para os restaurantes mais caros da cidade, e enviava vestidos, sapatos e colares dos mais variados tipos, para que ela usasse em seus encontros, enquanto uma orquestra particular tocava para eles uma serenata. Era tudo perfeito. Mas alguma coisa aconteceu, e Gabriel ficou diferente. Ele passou a reclamar dos gastos, e fazia pregações diariamente, tentando encaixar Jesus em suas vidas. Era como se Jesus jogasse água na paixão toda vez que ela esquentava. Alice então rezou. Rezou muito para que Deus a poupasse de mais uma desilusão, e prometeu jogar São Pedro no lixo, até que

Alice conheceu Adamastor e se apaixonou. Adamastor, de feio, só tinha o nome. Ele parecia um Deus grego, um galã de novela recém saído da revista caras. Era o sonho de qualquer mulher, e era uma máquina na cama – e na mesa, no chão, na parede, no balcão, e etecetra e tal. Era tudo perfeito. Mas alguma coisa aconteceu: Adamastor conheceu Gabriel e se converteu. Agora não tinha mais sexo, nem abraço e nem mesmo beijo, porque ele estava em fase de purificação. Era como se a paixão tivesse sido enviada para queimar no fogo do inferno por algum pecado que cometeu. Alice então ficou irada. Ficou irada e abandonada, enchendo a cara de cachaça e vomitando pela casa, mas prometeu que assim o porre acabasse, entraria num convento. Até que

Alice conheceu Penélope, irmã de Renato, ex-namorada de Paulo, vizinha de José, da igreja de Gabriel e conhecida de Adamastor. Penélope era feia e chata: tinha cabelo estirado, dentes tortos, barriga de cerveja, hálito de cigarro e papo de gente bêbada. Mas Alice se apaixonou.

1 de dezembro de 2009

Cher Antoine (após o bip)


Encontrei um recado na geladeira
Com sua declaração de amor
A sua secretária me mandou seus beijos
O delivery entregou o escargot
Que eu comi sozinha
Na nossa mesa de seis lugares
Com nossos talheres de prata
Usando um dos novos colares
Que sua mãe escolheu.

Recebi sua mensagem na minha caixa postal
Não se preocupe com a passagem
Vou trocar por uma viagem
De presente de natal
Que vou passar sozinha
Com a nossa árvore montada
Vendo as luzes da escada
Piscarem sobre meu vestido decotado
Que você não vai ver.

Descontei o cheque que você enviou
De aniversário de casamento
O gerente mandou lembranças
Sinto não poder entregá-las pessoalmente
É que eu vou pegar o seu dinheiro
E fugir com o carteiro
Que me come toda quarta
Enquanto eu leio suas cartas
Que algum poeta escreveu.

[a]Margarida

Margarida era a moça mais bonita que meus olhos tiveram o prazer de ver. Pra falar a verdade, depois que eu a vi, aquele dia na padaria, todas as outras moças me pareciam feias e sem graça nenhuma. Margarida não, Margarida tinha graça de sobra. Acho que Deus deu a graça de umas vinte pessoas só a Margarida, e, por isso, por onde ela plantava sorrisos, ela colhia suspiros. Pelo menos comigo era assim. Eu lembro que até esqueci de respirar uma vez, quando a vi se inclinar sobre o balcão para pedir dez pães francês ao padeiro. Aquela voz de veludo, a forma como ela unia os lábios para falar “pão”, era a melhor música do mundo pra mim. Ah, como eu queria que ela falasse “pão” no meu ouvido! Eu queria ter falado com ela, mas quando ela passou por mim, abraçando aquele saco de papel, eu esqueci também como se falava, só pensava em como eu queria ser um saco de papel.

Depois daquele dia, eu virei o maior comprador de pão daquela padaria, que nem era perto da minha casa. Eu tinha entrado lá por acaso, pra me esconder do meu irmão mais velho, que queria bater em mim. Meu irmão mais velho sempre batia em mim para aliviar as tensões, e ele estava bem tenso naquela semana, porque – eu descobri ouvindo ele falar no telefone – ia ter um encontro com uma menina linda. Sorte a minha que ele não me alcançou, porque assim eu pude ver Margarida, o que se tornou um ritual para mim. Todo dia eu ia vê-la, não importava o que eu estivesse fazendo.

Mas um dia ela não apareceu na padaria. Eu fiquei esperando a tarde toda, porque era comum ela se atrasar, mas foi em vão. A padaria fechou sem que Margarida comprasse pão, e foi como uma noite sem estrelas pra mim. Cheguei em casa cabisbaixo, borocoxô que só eu, quando ouvi um grito vindo do andar de cima.

“Por favor, pare, por favor” Eu ouvi alguém gritando, e soube imediatamente de quem se tratava. Eu não podia estar enganado, porque eu sempre sonhava com Margarida sussurrando palavras começadas em “P” no meu ouvido. Era ela. Eu larguei a mochila no chão e subi as escadas correndo, correndo muito, como se minha vida dependesse daquilo. Mas era tarde demais. Quando eu entrei no quarto, Margarida estava encolhida no chão, com as roupas meio rasgadas, e chorando bem baixinho – quase não dava para ouvir. Eu olhei pra frente e vi meu irmão com mais dois amigos rindo alto e fechando o zíper da calça. Eu não sei o que me deu, mas me subiu uma fúria tão grande, mas tão grande, que eu pensei que fosse matar aqueles três ali mesmo, à abajurzadas (foi o primeiro objeto que eu vi). E, na verdade, eu realmente teria feito isso, se não fosse pequeno e fraco demais. Me odiarei o resto da vida, por não ter conseguido dar a eles a lição que eles mereciam. No final do acontecido, eu também estava encolhido no chão, com a impressão de que meus ovos tinham sido arrancados a dentadas, mas eu chorava alto e soluçava. Ainda assim, chorando e soluçando, eu ajudei Margarida a se levantar. Peguei uma roupa pra ela e liguei pra ambulância, porque o chão tava cheio de sangue.

No outro dia eu fiquei sabendo que ela não estava ferida, e que o sangue não era nada demais. Mas Margarida nunca mais voltou a ser a mesma. Nem eu. Nós nos tornamos amigos, e eu pedi desculpa milhares de vezes, por não ter chegado a tempo. Ela sempre dizia que não tinha sido minha culpa, mas eu sei que foi. Eu sabia que meu irmão ia sair com uma menina linda, e o conhecia bem o bastante para saber o que ele pretendia, mas eu fui omisso e não fiz nada. Eu simplesmente pensei “coitada dessa menina linda que vai sair com ele”, e não fiz nada. Nada, nada, nada.

Agora Margarida não planta mais sorrisos, nem vai mais a padaria. Margarida agora passa os dias em casa, assistindo televisão, fazendo costura. Ela engordou, entristeceu, nunca casou. Margarida perdeu a graça, caiu em desgraça. E ninguém nem lembra dela, de como ela costumava ser, apenas reclamam dela ser amarga e rabugenta, e de não deixar as crianças brincarem em seu quintal. Agora Margarida só tem a mim. Eu, que olho pra ela e vejo, no fundo dos olhos, aquela moça bonita que ganhou meu coração comprando pão.

28 de novembro de 2009

Camisa Xadrez – A resposta.

Sabe aquelas cenas de filme, quando um casal passa a noite junto, a campainha toca e o homem desce para atender vestindo só uma cueca samba canção? (geralmente com alguma estampa bem boba) A mulher, curiosa, não consegue ficar esperando e vai atrás dele, mas como demoraria muito para vestir sua própria roupa, pega uma camisa dele e desce rapidamente. É claro que a verdadeira intenção dela é espantar qualquer “ex-mulher” que tente marcar território, porque ela sabe que roupas muito folgadas a deixam extremamente sexy e dão uma vontade danada de arrancar. Quando ela chega ao andar de baixo (se não tiver escadas não tem graça), ele já fechou a porta – era o carteiro, ou um vizinho pedindo açúcar, ou algum vendedor de biscoitos. Ela pergunta “quem era?” com um olhar de donzela em perigo, mas ele não responde, porque está muito ocupado, devorando-a com olhos de fome.   

Bom, talvez eu tenha inventado essa cena. Mas eu sempre lembro dela como se já tivesse visto, e sempre me dá um arrepio no pé do cabelo. Eu sei que não ficaria “extremamente sexy” com uma camisa folgada e amarrotada, mas ainda acho que seria uma situação bastante provocante, só pelo fato da camisa ser dele. Aquele cheiro de homem roçando na pele... Aquele cheiro, que mesmo depois de uma centena de banhos não sai, porque está ali sem estar ali, está na cabeça, tatuado no olfato, assim como o gosto de um beijo pode ficar na boca durante dias.

De qualquer forma, eu costumava vestir uma camisa do meu irmão e ficar fazendo caras e bocas na frente do espelho. Eu ensaiava aquele olhar de donzela em perigo e o soluço surpreso, de quando o dono da camisa me tomasse nos braços e me girasse, jogando-me no sofá. Aos mais ousados, isso vai parecer meio precoce – considerando que eu não tinha mais de 14 anos quando fazia isso –, mas essa não era uma cena de filme erótico. Era uma cena de comédia romântica com censura de 12 anos, onde o telefone sempre toca nos momentos mais quentes, ou a mãe de um dos personagens aparece. A magia não está na consumação do sexo, está no desejo mútuo que fica flutuando entre os protagonistas... Aquele desejo quase palpável de tão denso.

Depois que eu cresci eu parei de alimentar essas fantasias. Eu passei a vestir as camisas do meu irmão como camisola, e já não imaginava loucuras quando me olhava no espelho. Isso até eu vê-lo com aquela camisa xadrez. A camisa xadrez que eu conhecia sem jamais ter visto, a camisa xadrez que você desejava ver em uma linda mulher. Naquele momento eu quis ser a sua linda mulher. E agora fico eu, com dezenove anos, fazendo caras e bocas na frente do espelho, ensaiando um olhar de donzela em perigo, para que você me devore com olhos de fome, e me ame.

Resposta a um antigo post do meu amado (de quando ele não era meu): para ler, clique aqui.

27 de novembro de 2009

Pintura íntima II





























Bebi do seu vinho tinta
E pintei meu coração com seu corante
Entreguei-me a sua boca faminta
Fotografei nosso melhor instante

Fui tela branca pro seu pincel
Deslizando sobre mim como se eu fosse um papel
Apaguei-me do jeito antigo
Pra me desenhar de um jeito novo contigo

Joguei fora todo o solvente do seu ateliê
Rasguei as telas do seu estoque
Pra que ninguém me apague de você
Pra que você nunca me troque

Pendurei meu quadro em seu pescoço
Nossa foto em seu mural
Faça do meu corpo o seu esboço
Da minha pele, seu avental.

26 de novembro de 2009

Caindo

Aquele dia estava sendo realmente ruim. Um dia realmente ruim entre uma seqüência de dias realmente ruins. Na verdade, ele não lembrava a última vez que seu dia fora somente ruim.
Chovia um pouco. O trânsito estava parado na avenida, mas ele não se preocupava com isso, pois seu carro fora tomado na semana anterior para quitar algumas dívidas. Sua casa também fora hipotecada e estava por um fio. Ele tinha sido recusado em mais uma entrevista de emprego, enquanto seus antigos amigos estavam casados e bem sucedidos. Seu pai não telefonava há meses, parecia estar decepcionado demais com a ruína do único filho. Sua única namorada fugira com seu primo de segundo grau e o deixara só, mas – de certa forma – ele estava contente por não ter filhos - não queria mesmo propagar sua espécie fracassada.
Sufocado pelas paredes, ele decidiu que precisava de ar fresco. Saiu de casa, ignorando o rapaz de macacão azul que viera cortar a luz, e saiu pela calçada. Há muito tempo já perdera sua verdadeira luz. E há muito tempo perdera também qualquer estímulo para continuar vivendo.
Ele olhou em volta.
E seguiu em frente.
Olhou para os carros, as vitrines, os semáforos.
E seguiu em frente.
Olhou para as pessoas na rua, caminhando alegremente.
E seguiu em frente.
Olhou para casais, amigos, famílias.
E viu como estava tão só.
Foi aí que tudo veio à tona – toda sua dor. Lembrou-se do pai gritando, chamando-o de moleque inútil. Lembrou do seu primeiro F. Da primeira vez que se declarou a uma garota e levou um fora. Lembrou da primeira vez que seu currículo foi devolvido. E perdeu a conta, ao tentar lembrar-se de quantas vezes esse ciclo se repetiu. Ele percebeu que estava cansado de perder. Estava cansado de todo aquele sofrimento. Estava cansado do peso que era carregar a própria existência nas costas, sem nunca receber nada – de bom – em troca. Ele percebeu que estava cansado demais para continuar seguindo em frente.
Inconscientemente, chegou ao prédio da Faculdade (onde havia se formado). A cada andar que subia, tinha mais certeza de que queria acabar de uma vez com tudo.
Ele chegou na cobertura, caminhou até a borda.
E depois caiu...
 - Não é bonito?
Ele se virou.
- Como?
- O arco-íris. Não é bonito?
E olhou pra menina que apontava para frente.
- E as árvores? Nem parece que são tantas, lá de baixo. Você não acha esse lugar agradável? Gosto de sentir o vento... E de ver as árvores, é claro. Parece um mar verde, não parece? Verde é uma linda cor. A minha preferida.
- Verde?

- Ah, e veja só o céu... Não parece um mar de cabeça pra baixo? Tudo pode parecer mar. E o azul é tão tranqüilo... Azul é definitivamente a minha cor favorita.
- Azul? Mas...
- É verdade, eu disse que era verde. Mas quer saber? Gosto das duas.
Ela sorriu, e só então ele percebeu que não tinha caído. Tinha apenas olhado pra baixo e imaginado a queda. Esquecera, entretanto, de olhar também o arco-íris, e as árvores, e o céu. Esquecera de sentir o vento. E esquecera até mesmo de olhar em volta para se certificar que não tinha mais ninguém.
De repente ele resolveu olhar pro passado também. O que mais havia deixado de olhar?
E ele viu seu pai ensinando a jogar futebol. Viu a satisfação no rosto da sua mãe quando ele tirou aquele B sofrido no colegial. Viu seu professor aplaudi-lo pelas costas em sua formatura. Viu sua primeira paixão lhe sorrindo. Viu-se entre amigos, jogando conversa fora...
- Porque você não sai daí? Eu sei que a vista é melhor, mas é bem perigoso.
Ele segurou forte a mão que ela estendeu.
E depois seguiram em frente - juntos.

23 de novembro de 2009

Pintura íntima

Uma boca mais vermelha
Jogo de sombra no olhar
Um retoque na orelha
Efeito-sol pra bronzear

Apagou o sorriso sofrido
Deixou o nariz mais estreito
Preencheu o decote do vestido
Com um pouco mais de peito

Afinou a cintura
Escureceu o cabelo na raiz
A mais bela criatura
Pincelada com verniz

Mas depois que chuva a veio
Todo trabalho foi perdido
O bonito voltou a ser feio:
Era tinta pra tecido.

21 de novembro de 2009

MeLaço

Lábios
Laços
Laivos de mel

Me beija
Me laça
Lambuza o céu

Da minha boca.

19 de novembro de 2009

Post-it

[Eu estava deitada na cama, agonizando, testando o som de todos os palavrões que eu conheço, quando percebi que, pela primeira vez em muito tempo, tudo em mim dói - até os dentes -, menos o coração. Estou com 39 graus de febre, e ainda assim não me sinto queimar tanto como quando estou em seus braços].

16 de novembro de 2009

Enquanto você dormia

Eu gosto de observar a noite passar pela minha janela. Fico esperando que um carro rasgue o silêncio das avenidas vazias e me pergunto pra onde ele vai. Pra onde eu iria? (afirmação que de última hora se transforma em pergunta).
Eu iria para qualquer lugar onde os prédios não me impedissem de ver o céu, onde os muros de concreto não fossem barragem pro vento, onde dinheiro não comprasse simpatia, onde o ar não cheirasse a óleo diesel e pólvora queimada. Eu iria pra qualquer lugar que não fosse aqui. Deixaria um bilhete de despedida, levaria você na mochila, e nós viveríamos de comer frutos proibidos em algum pomar privado.
Mas, assim como a noite, o carro passa
[some em alguma esquina] 
e eu permaneço na janela,
esperando pela próxima carona.

13 de novembro de 2009

Depois de desembaçar o espelho








Agora tudo que se ouve são ecos,
e tudo que resta da lágrima
é uma marca no rosto,
que também será varrida
com o suor frio de novembro.

2 de novembro de 2009

Choveu

Quando o céu escureceu, encoberto por uma espessa camada de nuvens cinza, ele adorou. A chuva era a única coisa que ainda o fazia sentir realmente feliz. Havia algo sobre o cheiro de terra molhada. Havia algo na melodia suave das gotículas de água cortando o vento, beijando o chão. Tudo parecia tão limpo depois da chuva... As monções eram uma das poucas boas lembranças de sua infância. Sua mãe fazia seu prato preferido, seu pai voltava mais cedo pra casa, e o telhado sussurrava canções de ninar a noite inteira. A vida era boa quando chovia. Ele sempre tinha vontade de sair e dançar da chuva, mas era difícil faze-lo, devido ao excesso de proteção em casa. A primeira vez que ele havia dançado na chuva foi – quando estava longe de casa – jogando futebol com os amigos. Definitivamente, a chuva tinha dado a ele os momentos mais memoráveis de sua vida.

Estava chovendo agora. Ele estava sozinho em sua casa – um homem de setenta anos –, sua esposa morrera há vinte anos. Ele a amava muito, mas o destino o traíra – ao leva-la em um acidente cruel. Seu filho estava ocupado demais com sua própria vida para se preocupar muito com um homem mimado de idade, quiçá para pensar em visitá-lo. Ele tinha cansado da vida da cidade e havia se mudado para o campo logo após a aposentadoria. Tinha amigos lá – desde infância. Um deles tinha cansado (ao contrario dele) das colinas, por isso se ofereceu para lhe vender a casa. Era um bangalô calmo – com vista para um pomar de laranja. Ele tinha se apaixonado pela casa a primeira vista e tinha comprado. Além disso, chovia muito por ali...

Era seu aniversário – ele tinha virado um setenta. O cozinheiro (um homem cuja família inteira tinha vindo a servir às gerações da família do velho) tinha preparado sua comida preferida (o cozinheiro era bom, mas não tão bom quanto sua mãe), mas não o fez companhia no jantar. Após a – solitária – refeição, o velho saiu de casa. Foi sentar-se na varanda. O sol se põe cedo nas montanhas, por isso já estava escuro, e o céu começava a se derramar sobre a grama. Ele olhou para as nuvens com um sorriso nos lábios – como quem agradecia pelo presente – e começou a olhar para trás, para sua vida. Ele tinha sido bem sucedido – de fato, muito bem sucedido. Um estudante brilhante, um trabalhador assalariado – muito respeitado – para, em seguida, abrir seu próprio negócio e receber elogios em toda parte. Costumavam falar dele como “o homem com o toque de ouro” –, ele podia transformar quase todo negócio falido em um negócio lucrativo. Mas a morte de sua esposa mudou tudo isso. Ele perdeu o seu toque. Ele perdeu o entusiasmo pela vida, perdeu sua autoconfiança e começou a desistir do seu trabalho. Foi muito irônico: o homem que tinha tudo, perdeu tudo. Dizem que ele foi para o campo para fugir do que perdera – dos fantasmas dele.

As gotinhas continuavam a bater, sem tréguas, contra o gramado a sua frente. Ele olhou-as com um espanto repentino: aquilo era sobre viver em ciclos. A água descia, evaporava, subia, depois descia novamente. Ele fez uma pausa para pensar – “essas gotas nunca se cansam?”.

Uma tempestade estava chegando (ele podia sentir em seus ossos), e o cozinheiro o tinha alertado sobre ficar fora até tarde – mas o velho era persistente. Ele estava indo sentar-se na chuva. Na chuva, que fora uma segunda mãe pra ele.

O vento uivava. O velho tinha deslizado lentamente para o sono, e agora sonhava. Sonhava com sua esposa. Ela estava lá fora, na chuva, chamando-lhe com um sorriso no rosto. Ele queria chegar até ela, mas não conseguia. Ele estava tentando uma e outra vez – mas suas mãos estavam fora de alcance. Seu olhar lentamente mudou para um de desânimo. Não podia suportar perdê-la novamente. Ele fez outra tentativa – de alguma forma, desta vez, ele conseguiu romper a barreira que o puxava de volta e segurou a mão dela. Ela não falava nenhuma palavra – seu sorriso dizia tudo. Ele olhou para o céu e teve a impressão de que as nuvens estavam sorrindo para ele também. Tudo ao seu redor era feliz, e o júbilo invadiu suas feições – outrora desanimadas.

O cozinheiro encontrou seu corpo na manhã seguinte. Ele ainda estava na varanda. Seu corpo estava duro e frio. Seus olhos estavam fechados. Ele tinha partido durante o sono –, pensou o cozinheiro. Mas havia algo estranho em seu rosto. O que era? Sim, tinha que ser aquele sorriso. Era tão extraordinário...

30 de outubro de 2009

Extra-ordinário

Este tem sido um dia extraordinariamente ordinário!

Às vezes acontece de, após uma sucessão de dias especiais (entenda especial como qualquer coisa que nos tire da rotina), você se encontra olhando para um dia que não tem nada a oferecer, e fica aliviado por poder simplesmente não se importar.

Você pode almoçar e jantar, sem se preocupar com o horário; você verifica seus e-mails; você conversa com alguns amigos; liga para o seu namorado e cai na risada por não ter nada a dizer; você deita na grama com uma pessoa que você vê todos os dias, mas nunca tem tempo de conversar... E lentamente, tudo derrete.
Você acha conveniente ignorar os mosquitos e esperar até que o céu que você está olhando se torne o papel de parede das suas pálpebras, dando a ilusão de que elas ainda estão abertas. Quando você fica sonolento, uma melodia familiar desaponta no fundo da sua inconsciência, e você quase pode sentir seu corpo dançar.

Isto é quando o ordinário é extraordinário. Casa não são apenas quatro paredes e um teto. Casa é uma sensação de proteção omnipresente (você pode se sentir em casa nos braços de uma pessoa amada), onde nada é desconhecido... Tudo está dentro de você, ali. Queria que alguém pudesse entender! Euforia se aproxima de definir, talvez...

24 de outubro de 2009

Fé cega, faca amolada

É muito fácil culpar alguém pelos erros que nós mesmos cometemos. E, em verdade, todos fazemos isso uma vez ou outra, de forma menos ou mais freqüente. Seja pelo receio do remorso, para lidar com uma dor, ou simplesmente por covardia, essa atitude é geralmente justificada pelo desejo egoísta de sentir-se melhor (mais leve). Feliz ou infelizmente, nem sempre funciona. Na maioria das vezes, conseguimos nos ressalvar apenas do julgamento alheio, mas continuamos sujeitos ao julgamento pungente da nossa própria consciência - que pode ser muito intransigente.
Entretanto, há quem faça isso tão bem, que acaba convencendo não somente os outros, como a si mesmo. Bom, enganar a si próprio é burrice [como podemos aprender com os nossos erros sem reconhecê-los como nossos?]. Mas, fazer alguém inocente acreditar que é culpado, não é muita crueldade? Se aproveitar da inocência e ingenuidade de um coração que não vê maldade em ninguém; usar a fragilidade do outro em benefício próprio... para mim, isso é inadmissível. Se é para jogar sujo, que seja com pessoas sujas, que talvez até mereçam provar um pouco do próprio remédio. Mas deveria existir uma lei que proibisse magoar as boas pessoas, enquanto as boas pessoas ainda existem.

20 de outubro de 2009

Beatriz

Beatriz tinha um marido. Um marido bonito, robusto, de aparência muito imponente. Era Benedito, mais conhecido como “bendito Benedito" pelas outras mulheres de bairro.
Embora tivesse um bom coração, Benedito ainda era um homem rude e antiquado, com costumes bastante ultrapassados.
Benedito não deixava Beatriz trabalhar. Para ele, lugar de mulher era em casa, cuidando do fogão e cuidando dos filhos. Mas ele não se importava que Beatriz não pudesse ter filhos (retirara o útero por engano, numa cirurgia de varizes); para ele isso era até bom, pois sobrava tempo para ela lhe fazer massagens quando chegava cansado do trabalho.
Entretanto, Benedito era um ótimo marido. Não passava um dia sequer, sem que ele enviasse flores à sua esposa. Ele a levava ao parque, ao teatro, ao mercado, e a qualquer outro lugar que ela desejasse – desde que com ele. Às vezes também saiam para dançar, e tudo que se ouvia eram suspiros das mulheres que sonhavam estar no lugar de Beatriz. Benedito era um pé de valsa, e até as melhores amigas de Beatriz já haviam tentado rodar com ele uma ou duas vezes. Tentavam em vão, é verdade, porque Benedito só tinha olhos (mãos e pés) para a sua adorada.
Mas Beatriz andava insatisfeita. Sabia que tinha tudo para ser uma mulher muito feliz, mas sentia-se sufocada pelo amor super protetor de Benedito. Ela queria trabalhar, queria sair sozinha e usar minissaia como as outras moças da cidade. Casara-se muito cedo, por desejo de seu pai – que não queria arriscar a dignidade da filha –, e ficara muito animada ao ver que seu noivo era Benedito. Ela, que estava num fogo brabo desde que Rosinha lhe contara sobre a lua de mel, quis logo adiantar os preparativos do casório. Casaram e pronto, foi uma grande festa. Viajaram para uma cidadezinha bonita, no interior de Pernambuco. A cidade não tinha nada especial, mas o hotel era uma beleza, e o casal voltou numa felicidade só. Só que a felicidade fora embora assim como chegara: de repente.
Ninguém entendia porque Beatriz insistia em dizer que estava cansada daquela vida. Mas Beatriz tinha seus motivos. Antes de casar com Benedito, ela era sempre o centro das atenções. A moça mais bonita do bairro, a aluna mais inteligente da sala, a melhor dançarina do clube, a jóia rara dos pais... Agora ela era apenas a mulher de Benedito. Até sua mãe vivia se exibindo por causa do genro.
Outro dia, quando passava na rua, com Benedito, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– A Beatriz é mesmo muito sortuda!
– Que Beatriz?
– Aquela, que casou com Benedito...
Ela ficou tão triste que passou o resto do dia pensando em uma forma de recuperar a sua identidade. Pensou em fugir com o circo, ter um caso com o jardineiro da vizinha, andar pelada na rua... Mas todas essas coisas seriam rapidamente esquecidas. Nada que fizesse poderia enturvar a imagem perfeita que Benedito tinha. Foi então que Beatriz soube o que precisava ser feito. E durante a noite, ela sufocou Benedito com um travesseiro.
A mãe de Beatriz nunca mais falou com ela, o pai de Beatriz pagou um médico para dizer que Benedito morrera de infarto – a vizinhança custou a acreditar que Benedito, aquele moço tão bonito e saudável fosse morrer assim do nada, mas depois de um tempo parou de comentar. Beatriz nunca encontrou outro marido, e as mulheres que cobiçavam Benedito agora estavam casadas e com filhos.
Mas, num dia desses, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– Lembra de Beatriz?
– Que Beatriz?
– Aquela, que matou Benedito...


Nota de agradecimentos: ao (meu) César, por dizer pra Dora matar Benedito, ao Charlie, por mudar o nome de Dora pra Beatriz, e a Marina pelo "fogo brabo". Pra mais sugestões, usem os comentários.

19 de outubro de 2009

É de lágrima

Eu descobri que tinha crescido quando chorar não resolvia mais os meus problemas. Mas como os velhos hábitos nunca me deixam, eu continuo chorando...

15 de outubro de 2009

Pathos

Ele
Tão terno
Sem terno
Em cima de mim
Eu
Tão rouca
Sem roupa
Gritando que sim
Nós
Tão juntos
Em muitos
Orgasmos sem fim

29 de setembro de 2009

[D]esvaziada.

Por muito tempo eu senti um imenso vazio dentro de mim. Um ralo na alma, por onde escorriam todas as minhas felicidades, todos os meus sorrisos efêmeros. Aliás, efêmera era eu, que nunca era um único eu. Quando estava sendo, simplesmente escorria também, e juntava-me aos risos que eu não ria mais – eles que riam de mim.
Por muito tempo eu tentei preencher esse vazio. Tentei preenche-lo com poesia, flores e velas. Mas os amores que se acomodavam ali eram pequenos demais, e quando eu menos esperava, eles escorriam feito areia em ampulheta, e sumiam por aquele mesmo ralo.
Por todo esse tempo eu me senti extrema. Extremamente pequena por não comportar amor algum, extremamente grande por não caber em nenhum amor. Pensei que meu coração era desconfortável, e que por isso ninguém ficava nele por muito tempo. Pensei que o buraco em minha alma era uma rota de fuga, um cano de escape, por onde escapavam todas as minhas ilusões.
Até que eu parei de cultivá-las (as ilusões) e encontrei você. Seus olhos me transportaram por caminhos que eu não conhecia e, mergulhando neles, mergulhei também em mim, refletida em suas íris na minha pior forma. E mesmo assim você me recebeu em seus braços, me aceitou, e me amou como alguém que eu não era (mais), me fez acreditar que eu poderia (voltar a) ser. Me fez acreditar que eu poderia ser sempre – e não só as vezes –, sob a única condição de ser sua.
Só então eu entendi o porquê daquele vazio nunca sumir – até então. Ele era o seu vazio, o seu lugar vago. E entendi que não era eu que era extrema. É que apenas você tem o tamanho exato para caber no meu coração, e todos os outros serão sempre grandes ou pequenos demais. Por isso às vezes eu me sentia só, mesmo estando junto, ou cheia, mesmo estando só. Porque cada um tem a peça perfeita para o seu quebra-cabeça. E você era a minha.
Hoje as minhas felicidades não escorrem mais, no máximo nublam. Mas quando você vem – e faz chover todas as minhas incertezas – o sol volta a brilhar, e eu volto a sorrir os meus próprios sorrisos.

26 de setembro de 2009

Triângulo amoroso

João amava Maria que amava Pedro que amava Maria também.
João morreu afogado
Pedro teve um infarto.
João doou o coração para Pedro
E foram todos felizes
Maria, Pedro e João.

23 de setembro de 2009

Dedos musicalizados

Renan (e su'as Obras do Chá) fez arte com meu poema amador!
Ele musicalizou e ficou muito lindo.
Escutem. As Cifras estão disponíveis no blog dele (link logo acima). Aliás, o blog dele é puro deleite.
E obrigada Renan, a gravação está ótima *-*


Dedos por Renan V. J. de Oliveira e Natália Corrêa:


Pra quem não conseguir ouvir, o link está aqui.

20 de setembro de 2009

Dedos

que deslizam pelos teus cabelos,
dedos que se entrelaçam nos teus
dedos
que dedilham corda por corda
dedos que descansam na ponta dos teus
dedos
que falam sem emitir som,
dedos que falham ao mudar de tom

dedos que pintam estrelas no breu,
dedos que estralam quando encontram os teus
dedos
que me confessam os teus segredos
dedos que aparam, com melindre, esses
dedos de água ardente que escorrem
[dos meus olhos]
entre os meus dedos.

17 de setembro de 2009

Narcisismo

Eu sempre conheci e usei a palavra "narcisismo", mas nunca havia parado para ler sobre sua origem. Eu sabia que havia uma lenda sobre Narciso, e sabia, apenas por osmose, que ele fora alguém que se apaixonara pela própria imagem. No entanto, hoje - há alguns minutos - eu recebi um e-mail com essa história. Na verdade eu não costumo ler meus e-mails, minha caixa de entrada é sempre lotada e eu tenho muita preguiça, mas eu estava no MSN quando subiu o aviso de recebimento de um e-mail de uma antiga professora minha. Eu abri apenas por curiosidade, e me deparei com um daqueles e-mails de power point, com uma tradicional música de relaxamento ao fundo e com aquelas imagens retiradas do google. Eu geralmente nem vejo esses e-mails [com exceção dos enviados por minha mãe, que - não sei como - sempre seleciona mensagens de caráter telepático ou profético], mas resolvi ver esse e me surpreendi.
A história é praticamente o que eu imaginava... Narciso era um rapaz muito belo e todos os dias contemplava o reflexo da sua própria beleza em um mesmo lago. Um dia, fascinado consigo mesmo, ele cai no lago e morre afogado. Depois disso, o lago, que era doce, transforma-se em um "cântaro de lágrimas salgadas". Aparecem então as Oreiades, Deusas do Bosque, perguntando ao lago a razão de suas lágrimas. O lago responde que chora por Narciso, tal qual as Oreiades imaginavam, mas as surpreende com uma indagação: "Mas Narciso era belo?" pergunta ele. Logo ele que, supostamente, vira por tanto tempo a imagem do rapaz em suas águas. E então ele completa com a passagem mais significativa da lenda: "Choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas próprias margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos, minha própria beleza refletida."
Eu sei que até agora nada que eu escrevi faz sentido. Mas isso porque a minha mente está a mil, e quando eu fico assim, pensando demais, tenho vontade de fazer com que todos entendam meu ponto de vista. Isso, aliás, comprova o que eu estou pensando. Penso que, no fundo, todos nós somos narcisistas - em menor ou maior proporção. Inventamos nomes bonitos como "afinidade" e "identificação", mas a verdade é que a maioria de nós se apaixona pela imagem de si mesmo que há nos outros. É muito fácil amar alguém quando esse alguém possui as mesmas convicções que nós, os mesmos gostos, as mesmas crenças. É claro que depois o verdadeiro amor se desenvolve, e transpõe às barreiras da afinidade, mas eu realmente acho que ele começa na gente. Quantas vezes não conhecemos uma pessoa e dizemos para nós mesmos: "poxa, fulando é muito legal, ele entende exatamente o que eu sinto"? Em geral, queremos ouvir apenas aquilo que nós mesmos diríamos [se coubesse a nós dizer], e queremos que os outros sintam e amem da mesma forma que nós amamos, porque, na nossa cabeça, o nosso jeito é o jeito certo.
Quantos relacionamentos não acabam sob aquele clichê: "éramos diferentes demais"? Não é à toa que as pessoas mais presunçosas têm dificuldade de encontrar alguém; é que eles estão tão preocupados em enxergar sua própria beleza nos outros, e se julgam tão superiores, que acabam esquecendo de reparar que esses outros também possuem sua própria beleza. Cai, portanto, a velha teoria de que opostos se atraem. Opostos não se atraem, opostos se completam, mas para que as metades se encaixem é preciso bem mais que amor. É preciso tolerância, disposição para compreender que às diferenças não são necessariamente ruins, e até um pouco de bom senso para perceber que, se fosse para ter alguém igual a nós, bastaria um espelho.

12 de setembro de 2009

Amor de pedra

– Diga, dona pedra, tua vida não é muito monótona? Como tu consegues viver sempre parada e calada? Não te dói não poder dizer "eu te amo"?

– Minha querida, ser pedra é muito difícil, mas monótono não. Às vezes sentam em mim, às vezes me chutam pra longe, às vezes até me jogam no rio só p'ra ver a água espirrar. Mas a cada um é dada a habilidade que o compete. Por isso eu sou dura, forte e quase inquebrável, para que eu possa suportar tudo isso e ainda alicerçar o chão daqueles que eu amo, sem deixá-lo ceder jamais. Portanto, eu não preciso dizer "eu te amo" a ninguém. Vivo apenas a acreditar e esperar que meus amores saibam que estou sempre a zelar por eles - daqui do meu lugar, aqui no meu silêncio.

7 de setembro de 2009

abajur.

A noite engolira o dia tão rápido que parecia que o sol saíra fugido de alguém. Num minuto estava ali, noutro não estava mais. A tarde tivera morte súbita - simplesmente desbotou.
Os postes todos se acenderam, então. As lâmpadas incandescentes atraíram mariposas, que permaneceriam a voar em círculos incansavelmente. O que querem as mariposas? Perguntei-me apenas por perguntar [a resposta não era importante].
Mas a fome da noite é grande, e não satisfeita com o dia, passou a engolir as praças, os bancos, os carros, as gentes e, por fim, os postes. Restou apenas eu e as mariposas, correndo atrás da lua.

Pessoas, mariposas, todos querem a mesma coisa: luz - mesmo que seja apenas uma no fim do túnel.

6 de setembro de 2009

Sufoco

é sentir que os degraus da escada se multiplicam conforme se sobe. Uma espécie de subida interminável, e você está nela há tanto tempo que nem se lembra mais aonde quer chegar. De vez em quando, quando muito ousado, você arrisca uma espiada pra baixo... uma olhadela bem rápida, entrando já saindo, só pra ver o quanto já subiu; mas [surpresa!] há uma névoa densa e escura impedindo sua visão. O que fazer numa hora dessas? Arriscar pular para o caso de ainda estar perto do chão? Ou continuar subindo pra ver onde vai dar? Se você pular, oh-ou, pode se espatifar. Mas e se essa subida realmente não tiver fim?

Não sei. Só sei que uma hora a gente cansa - de subir, de esperar, de cair, de errar. Uma hora a gente cansa de não saber e começa a tentar entender as coisas. Eu, por exemplo, estou começando a entender que a minha subida não tem valor algum, se eu não parar para reparar em como o céu é azul acima das nuvens. Minha subida não tem valor algum, sem alguém assim, afim de me acompanhar...

Ultimo Romance - Los Hermanos.

28 de agosto de 2009

Antes do tempo

precipitadamente
jogo-me do precipício
precipitada, a mente
comete suicídio,
presa no velho princípio
de precipitar - chover
afogo-me em meu próprio dilúvio.

24 de agosto de 2009

Meme

Graças a Dandara, eu agora sei o que é um meme. E graças a Matheus e Andressa, que me indicaram esse, eu vou poder brincar disso também. Eu sempre via as pessoas indicando memes umas pras outras, e mesmo sem entender direito o que era, achava legal. Se tem gente que não gosta por dizer que é "aprender por cópia", eu digo que adoro a idéia de ver várias pessoas respondendo a uma mesma pergunta. Não é legal ver até onde as pessoas podem ser diferentes [ou iguais]?

As regras são:
Selecionar dez coisas que você ama.
Indicar o meme para cinco pessoas diferentes.

1º parte:

1. Falar: mais do que qualquer outra coisa, eu amo poder falar. Gosto de me sentir livre pra dizer o que eu penso, o que eu sinto, ou simplesmente para dizer o que me dá na cabeça. Gosto de falar sobre tudo ou sobre nada. Às vezes me arrependo do que digo, e prometo não falar sem pensar novamente, mas aí penso que seria muito pior se eu me arrependesse de não ter dito aquilo que eu queria dizer. Vai que depois é tarde demais? Por isso eu gosto de falar tudo. Falo quando estou feliz, falo quando estou magoada, falo quando estou com raiva, falo quando amo e sei que amo, tem vezes que falo só para acelerar o relógio, mas eu estou sempre falando. E quando estou em silêncio, é porque estou pensando em algo que eu poderia falar - qualquer hora para alguém.

2. Espontaneidade: não há nada que faça eu me sentir tão bem quando a sensação de poder ser quem eu sou, sem restrições e sem censuras. Eu sou naturalmente espontânea e impulsiva. Vez por outra eu dou uma de racional, e fico pensando e pensando e pensando sobre tudo o tempo todo, mas sempre que faço isso, acabo fazendo exatamente o que eu queria fazer no início e não tive coragem. Eu gosto de decisões de última hora, gosto de planos refeitos; gosto de correr na chuva, mesmo que estando preparada para um dia de sol na praia. Eu sinto prazer em tirar proveito das mudanças, me sinto viva quando consigo tirar o sumo positivo das coisas inesperadas, mesmo que elas pareçam ruins a princípio. Eu sempre gostei daquela frase do faustão que diz "quem sabe faz ao vivo".

3. Chuva: já que falei em chuva no tópico anterior, vou dedicar um tópico inteirinho só pra ela. Eu simplesmente amo a chuva. Amo o efeito que a chuva provoca em mim... Eu me sinto mais viva cada vez que uma gota de chuva resvala por minha face, e adoro abrir a boca para esperar que algumas delas caiam doce em minha boca. Chuva me faz reviver momentos lindos na mente, outros nem tanto. Mas nem só de momentos bons a vida é feita, não é? E são os altos e baixos que a tornam tão emocionante quanto uma montanha russa [que dá aquele medo, aquele frio na barriga, mas no final, todo mundo quer ir de novo]. Gosto de imaginar que chuva leva tudo que é ruim, traz tudo que é bom, e mesmo quando a chuva é muito forte, provocando sustos e desastres, há sempre a certeza de que depois dela, virá a calmaria.


4. Carinho: eu não sei se eu sou uma pessoa tão carinhosa quanto eu gostaria de ser, mas adoro toda forma de carinho, explícito ou não. Não precisa ser grande coisa, uma ligação preocupada quando eu estou doente ou triste já é o bastante para me coroar um sorriso de orelha a orelha. Carinho de namorado [não qualquer namorado, apenas do meu namorado], carinho de amigo, carinho de pai, de mãe, de irmão. Amo beijar, claro, não há como descrever a sensação que reside em um beijo apaixonado. Mas as vezes um abraço, daquela mesma pessoa que lhe beija, vale mais que um milhão de beijos. Aquele abraço apertado que parece dizer "vou transformar meus braços em uma muralha para te proteger de tudo". Amo até aqueles carinhos mais sutis... Um roçar de mãos, uma cabeça em meu ombro, uma mordida e até um grito, se for de amor.

5. Telefone: ah, telefone. Que me permite ouvir a voz dos que estão longe, bem no meu ouvido, como se estivessem pertinho de mim. Telefone, que me permite adormecer enquanto converso, e que diminui a solidão que eu sinto quando não tem ninguém em casa. Telefone, que me permite ligar pra quem eu quiser: da rua, do ônibus, da aula, do quarto, do banheiro... Só o toque do telefone já me faz sorrir... "quem será que está ligando? será alguém que lembrou de mim? alguém que quer ouvir minha voz?". Claro que eu prefiro a presença substancial, o contato, a voz vinda com o sopro da respiração; mas quando quem a gente quem ama tá distante, é o telefone que salva - da saudade.

6. Arte: música, cinema, pintura, dança, literatura e sorriso. Eu posso não ser uma artista em potencial, mas sou uma grande apreciadora de todas as formas de arte. Não me lembro de um dia que eu tenha passado sem ouvir ou cantar uma música pelo menos, e são tantos os filmes que me encantaram até hoje que é praticamente impossivel eu escolher um ou dois deles para definir como meus favoritos. Eu gosto de olhar para pinturas e imaginar o que o artista estava sentindo/pensando quando fez aquela pintura. Na dança, o corpo ganha voz, e os gestos dizem coisas que só outro corpo - em sintonia - consegue entender. Literatura, o que posso dizer? Eu mergulho tão profundo em um livro, que de vez em quando fico perdida entre a realidade e a ficção. E sorriso, nossa, o sorriso para mim é a mais linda de todas as artes... Uma arte que não exige talento, vocação ou horas de treinamento. Arte popular, livre, barata e nem por isso menos bela.

7. Imaginar: posso passar horas apenas imaginando algo sobre alguém. Qualquer coisa pode despertar minha imaginação; um banco vazio me faz imaginar quantas pessoas já não passaram por aquele banco; uma luz acesa no meio da noite me faz imaginar o motivo de alguém não estar dormindo tão tarde [seria o mesmo que o meu?]; um casal discutindo me faz imaginar o sorriso que virá quando fizerem as pazes; uma flor me faz imaginar quantas mulheres não amariam recebê-las de uma pessoa amada. Eu gosto de olhar para estranhos e imaginar suas histórias, gosto de imaginar como seria aquilo se não fosse isso, como seria aquele, se não fosse assim. Amo imaginar porque a minha imaginação me dá asas, e eu sempre gostei de imaginar como seria, se eu pudesse mesmo voar.

8. Final feliz: "final" é força de expressão, já que eu não acredito que as coisas tenham mesmo um final definitivo. Pra mim, nem a morte é o fim. Mas eu adoro quando as coisas "terminam" bem. Quando uma briga boba termina em risos; quando um filme acaba em casamento; quando o herói consegue salvar a mocinha; quando o vilão se arrepende e tenta se redimir; quando uma saída entre amigos acaba em resenhas. Eu odeio aquela impressão de que "nada valeu a pena" só porque no final não foi tão legal. Já quando as coisas terminam bem, parece que tudo que acontece de ruim é aprendizado, enquanto tudo de bom se eterniza.

9. Pessoas: isso não é bem uma coisa, mas se eu fosse fazer uma lista de todas as pessoas que eu amo, daria bem mais de 10. Então eu vou resumir tudo em uma coisa só. Porque eu amo, nas pessoas, o que elas têm de mais humano. Gosto de fulano porque ele é sensível, de beltrano porque é inseguro. Amo os medrosos, os ciumentos, os serenos, os sinceros. Amo as pessoas pelo que elas realmente são, pelos seus defeitos e pela coragem de assumi-los. Eu amo as pessoas porque elas erram, e errando amadurecem. Amo as pessoas porque são imperfeitas, mas ainda assim tentam melhorar. Amo as pessoas porque elas são capazes de mudar, de pensar, de sentir. Amo as pessoas porque elas podem me amar também. E quem não ama ser amado? Eu sei que existe muita gente cruel no mundo, muita gente que quer o mal do outro sem quê nem pra quê, mas eu não sou do tipo que julga o todo por uma parte.

10. Amar: família, amigos, namorado, falar, espontaneidade, chuva, carinho, telefone, imaginação, final feliz, cachorro, gato, papagaio, peritquito... Eu sou um pouco de cada coisa que eu amo. Sou o conjunto de todas elas. Diria até que sou feita de amor, mesmo quando estou com raiva. Se eu não amasse tanta coisa [e pessoas!], nem mesmo essa lista eu poderia fazer.

2º parte:
Manuela, César, Eduardo, Luciana e Felipe.

17 de agosto de 2009

Teorema do copo d'água.

Assistindo Mais Você, eu ouvi algo interessante. Ouvi que, se você segurar um copo descartável [do pequeno] com água, você vai achar ele leve. Claro, porque ele é realmente leve. Entretanto, em segurando esse mesmo copo por duas horas, por exemplo, sua mão vai começar a ficar dormente, seus dedos vão começar a fraquejar, e aquele copo de água, que era leve, vai ficar gradativamente mais pesado. Agora imagine segurar esse copo de água durante dias/meses, sem soltar por nenhum instante? Vai chegar um momento em que ele vai ficar tão pesado que você não vai mais suportar. Sua mão vai ficar incontrolavelmente lânguida e o copo vai cair, provavelmente provocando uma bela lambança.
Eis pois o que acontece com todo peso que decidimos carregar conosco por tempo indeterminado. Seja um medo, uma preocupação, um segredo, tudo que exige de nós um certo esforço, mesmo que a princípio pareça pouco, nos desgasta se prolongado demais. Por isso, eu agora estou largando os pesos. Vou colocar meu copo de água sobre a mesa, e só vou pegar quando estiver com sede.

11 de agosto de 2009

Long Nights

Às vezes eu tenho a sensação de ser apenas uma telespectadora da minha própria vida. Parece que estou sentada em uma poltrona, de onde assisto meus erros e acertos, sem controle remoto nem nada. É como se eu não tivesse o poder nem a disposição de mudar o curso das coisas, mesmo que elas me incomodem.
Ando tendo muita insônia, e isso não me parecia errado, até eu parar e pensar no porquê. Porque não consigo dormir, mesmo quando meu corpo está cansado e minha mente está exausta? Porque não consigo repousar minha cabeça no travesseiro e só acordar com o sol? Pensando, cheguei a uma conclusão: me falta o sentimento de dever cumprido.
Não importa o quanto eu estude, ou o quanto eu siga os planos que tracei para meu dia, sempre falta alguma coisa. É que eu ando meio sem rumo, insatisfeita como o que venho me tornando. Não tenho mais certeza do que quero pra mim. Nem sequer tenho certeza do que não quero.
Tem dias que quero passar a vida escrevendo, tem dias que quero escrever uma vida nova. Sem essa rotina desgastante que vem me sufocando. Sem precisar estar cercada de livros que odeio ler, ouvindo histórias que já me foram contadas, voltando pelo mesmo caminho que me trouxe até aqui.
Sinto como se estivesse estacionado no tempo. Não cresci, não amadureci, não aprendi com minhas falhas. Os erros que eu cometo ainda são os mesmos, a diferença é que agora eu já os conheço bem, e tenho sempre um bom argumento para justificá-los.
Me pergunto se isso é apenas uma fase, uma TPM fora de época, uma inquietação provocada por alguma frase que li em um outdoor. Porque eu tenho dessas coisas... escuto algo e penso que não dei importância, mas depois de um tempo percebo que aquelas palavras ficaram ecoando na minha cabeça, como um CD arranhado que não para de tocar.
É estranho, porque pela primeira vez não se trata de amor. Aliás, o amor é tudo que eu tenho de mais certo agora. É o que me ampara e suporta os meus defeitos de fábrica. O amor em todas as suas mais variadas facetas.
É, esse post não é sobre paixão, sobre pressão ou depressão. Eu não estou infeliz, não estou irritada e nem preocupada. Estou apenas confusa, perdida diante da incerteza do meu amanhã. Se houver amanhã.

Raimundo

Podia ser João, José ou Roberto; mas olhando pra ele, acho que é Raimundo. Os olhos são sagazes, embora transmitam cansaço e pesar. Os pés, descalços, estão cheios de calos; e eu me pergunto por quanto asfalto quente ele já não caminhou.

Eu gostaria de saber da história de Raimundo, mas não tendo coragem de perguntar, eu invento. Não que eu tenha medo dele, dele não; tenho medo de descobrir que ele está aqui porque matou alguém e fugiu pra não ser preso - ou qualquer coisa do tipo. Tenho medo de descobrir que toda essa penúria é conseqüência de uma única escolha errada, cuja responsabilidade cabe apenas a ele. Tudo fica mais difícil, se não podemos culpar ninguém. E pra que deixar as coisas ainda mais difíceis do que já são?
Por isso, eu gosto de inventar. Olho pra Seu Raimundo e penso que ele está esperando alguém. Um grande amor, talvez. E ele está com medo de que ela apareça justo quando ele for embora. E, temendo, fica sempre aqui, nessa praça, debaixo de chuva e sol. Sem reclamar.
Enquanto espera, Raimundo também inventa histórias. Quando chove, ele inventa que Luísa - Luísa parece um bom nome para um grande amor - está presa por causa da enchente. Quando faz sol, é culpa do carro que quebrou no meio da estrada e está difícil de consertar.
Raimundo às vezes chora, quando não tem ninguém passando. É a tristeza de pensar que talvez Luísa tenha sido mordida pelo bicho da morte. É, pra Raimundo a morte é que nem bicho; uma fera traiçoeira, perversa, que fareja o medo à quilômetros de distância. Por isso, quando bate aquele aperto no peito, ele volta os olhos pro firmamento e pede força pra enfrentar a fera e suas crias: a fome, o frio, a doença, e ela, a filha preferida da morte - a desistência.
E assim Raimundo vai vivendo. Quando os pés doem demais, ele deita e fica olhando pro céu [ele prefere fazer isso a noite, quando há um milhão de estrelas brilhando para ele, igualzinho aos olhos de sua amada]. Quando a fome aperta, ele pede uma ajuda. E quando é a saúde que balança, ele bebe das lágrimas de algum Deus complacente, que caem sobre ele disfarçadas de chuva. No frio, ele imagina os braços de Luísa à sua volta, e como mágica, o sangue se aquece, e a pele é chaminé para o calor da esperança, que se renova sempre pra que ele não desista nunca.

Boa sorte, Raimundo. Boa fé.

9 de agosto de 2009

Eu fiz de novo!

Aquilo, de falar as coisas sem pensar. ou de falar tanto que no final eu já nem sei se o que eu falei era o que eu pensava no começo. Alguém por favor me coloca no silencioso? Quero um botão que me desligue, que me mantenha no automático e me faça parar de questionar. Quero, pelo menos uma vez, me deixar levar.

24 de julho de 2009

Chuva traga o meu benzinho...

Pois preciso de carinho!

Sabe aquelas cenas de filme? A garota entra no mesmo local onde já esteve com o rapaz. Um local aparentemente comum, mas que, quando ao lado dele, parecia que tinha chão de núvens, e as músicas que tocavam pareciam se encaixar perfeitamente no que sentiam, no que pensavam, e faziam encaixar perfeitamente um corpo no outro pra dançar bem juntinho a noite toda.
Dessa vez, no entanto, ela está sem ele. O lugar é o mesmo, as paredes são as mesmas, mas parece tão vazio! Nem todas as centenas de pessoas se empurrando o tempo inteiro conseguiam fazer passar aquela sensação de vazio, de espaço demais, de gente invisível por todo lado.
A garota, então, fecha os olhos. E uma espécie de flash passa pela cabeça dela... Por um instante, ela quase pôde sentir novamente os braços dele em volta do seu corpo, e quase pôde sentir o gosto do beijo, que é tão bom que até o gosto amargo de chopp parece deliciosamente atraente.
Acontece, porém, que alguém chama por ela. E todas as imagens se desfazem no ar como se fossem feitas de fumaça. Ela fica triste quando percebe que estava apenas sonhando acoradada, e pensa que seria ótimo se pudesse viver tudo novamente. Mas não, ela muda de idéia. Ela quer é mais tempo para muitos novos momentos como aquele.

20 de julho de 2009

ainda acordada...

eu penso agora nos amores que tive, nos amores que perdi. penso nas lágrimas que derramei, na tristeza que um dia senti. penso em quantas vezes eu já não acreditei que fosse o fim, quantas vezes eu não pensei em desistir. penso naquelas noites, como essa, sem conseguir dormir; e penso naquelas manhãs em que eu não quis acordar. penso e, pensando, lembro das tristes despedidas, do abraço apertado na partida, do sorriso caloroso na chegada. lembro dos dias que amanheceram cinzentos e que, mesmo fechados para qualquer raio de luz, foram palco de muita brincadeira e muito riso sob a chuva. lembro dos sorvetes, dos chocolates, dos trabalhos escolares. lembro das brigas, dos desabafos, dos abafos, dos sacrifícios. lembro das noites perdidas de papo pro ar, a promessa de ver o sol raiar; os pés descalços, cansados de dançar. sim, eu lembro das danças, das tranças, dos penteados iguais. lembro das criações, confusões e confissões. lembro das paixões de colegial, do primeiro selo, do primeiro beijo, dos primeiros carnavais. lembro das cartinhas, das cartilhas, das partilhas de roupas, escova de dentes e amor. penso nos filmes, nas pipocas, e mais chocolates, e mais trabalhos. penso no desespero, nas viagens, nas trilhas sonoras; naquela música que até hoje, quando toca no rádio, me dá vontade de chorar. lembro do braço aberto, do colo pra chorar.... das ligações e mais ligações, e das transmissões de pensamento, de sentimento; penso no tormento que é não poder ligar, nem falar, nem perguntar se fulano finalmente vai se declarar. penso em como a felicidade de alguém pode ser o bastante pra me deixar feliz também, e em como um sorriso só sorri por tantos além. não importa se é vibrando, chorando, cantando, reclamando, ou clamando a Deus um pouco mais de paz. não importa se está longe, ou se está perto. não importa raça, religião ou gosto musical... amigo que é amigo, é amigo de verão a verão, em qualquer estação, mesmo que seja de trem. [um feliz dia dos amigos para todos, e obrigada aos meus amigos. que estão em mim, que estão comigo!].

Nota de observadora:

Pra dois posts numa só madruga, só há duas explicações prováveis: ou eu estou tendo outra crise de insônia, ou estou preocupada com alguma coisa. No entanto, meus olhos estão quase adquirindo gravidade própria, e o sorriso em meu rosto parece abolir qualquer possibilidade de preocupação. O problema é que as vezes eu tenho a impressão que não posso rir tanto riso assim à toa. sinto como se, a qualquer minuto, o universo fosse cobrar um preço por toda essa felicidade.

Detalhes

Nenhum olhar jamais me fez sentir tantas coisas ao mesmo tempo. Um misto louco de medo, vergonha e desejo, uma estranha vontade de atravessar o vidro dos olhos para chegar à retina que me imprime exatamente como sou, e reprime toda a coragem que um dia eu tive. De repente, minhas pernas ficam frouxas, e as palavras que eu ensaiei para falar saem aos tropeços ou, na maioria das vezes, simplesmente não saem.
O rosto quente me faz sentir um pouco mais segura, como uma comprovação de que não sou só eu que estou a flor da pele. Mas a verdade é que a flor da pele também desabrocha, e apenas aquelas mãos sabem a medida exata de força e delicadeza que as pétalas necessitam para tornarem-se vivazes o bastante para suportar as tempestades e as ventanias.
Um sopro ao pé do ouvido aquece quando o tempo esfria, e refresca quando o calor invade o ambiente e o corpo, o corpo todo que se embala pra lá e pra cá. Os braços abarcam meus braços, como um barco que navega num mar de ondas mansas, que leva todo o passado, e deixa de presente o presente, que se arrasta pra não ter que passar.
Por fim, os corações conversam; um tambor batendo dentro do peito, dizendo que agora não tem mais jeito, é sentimento demais pra acabar.

7 de julho de 2009

Plenitude

Eu estava decidida a não me apaixonar de novo. Meu coração estava fechado para reforma e só retornaria revestido com DNA de lagartixa. De que outra forma ele poderia sobreviver a tantas quedas, tantos cortes, tanta falta das tantas partes que tantas vezes partiram [e partiram-no]? Mas algo inesperado aconteceu. Um desses eventos aleatórios que costuma não dar em nada, mas que quando dá, revira nossa vida e deixa tudo de pernas pro ar. AR! É como voltar a respirar livremente, sem tubos de solidão para estimular a auto-piedade.
Mas gato escaldado... sabe como é. O coração hesitou, apertou, gritou; o coração teve medo de partir-se de novo, pois estava quase deixando de ser coração pra ser colcha de retalhos. E em nome dele, eu resisti; quis ter certeza de que não havia um abismo entre as nuvens, e até tentei trancafiar o pensamento - mas ele, que nem vento, me escapou. Acontece que quando o amor surpreende, o coração amolece, o coração se rende. E se houver qualquer abismo nessa estrada, eu vou voar.

2 de julho de 2009

Não há de ser nada.

Mas às vezes eu me sinto como se nunca estivesse a altura daqueles que eu amo. Por mais que eu me esforce, nada que eu faça é suficiente; sempre acabo magoando alguém e sendo acusada de fria e seca por isso. Eu confesso que tenho uma certa dificuldade de demonstrar meus sentimentos, mas não acho certo que me julguem e me condenem por isso. Não dizer não significa não sentir. Será que ninguém sente o calor da minha alma quando me abraça? Tenho medo de que estejam certos sobre mim. Tenho medo que eu seja mesmo impenetrável. Mas como por ser fria quando há tanta vida queimando dentro de mim?

29 de junho de 2009

Pêra!

Eu queria escrever, mas tudo que me vinha à mente eram declarações de amor e poemas baratos. E eu poderia dizer agora que estou apaixonada, e que por isso estou muito sensível e que até chorei assistindo o exterminador do futuro II hoje. Mas decidi que queria escrever algo inovador, algo menos egocêntrico, que abranjesse mais que apenas os meus sentimentos ou situações casuais que porventura eu projetasse na minha cabeça [como sempre faço]. E foi pensando assim que eu tive a brilhante idéia de pedir que minha mãe dissesse uma palavra qualquer, que seria enfim o tema abordado no meu post. Mas eis que ela me aparece com essa palavra inesperada: pêra! Pêra, que após o novo acordo ortográfico não recebe mais acento, mas que eu, em sinal de protesto, continuo a utilizar, por achar que a pêra fica nua sem “chapéu”.
Pois bem, o que falar sobre pêras? Eu pensei em falar que elas são boas pra saúde... até fiz uma pesquisa na wikipédia para fundamentar o meu post, mas não achei que fosse um conteúdo atraente para os meus [poucos, porém queridos] leitores. Então eu comecei a pensar sobre essa fruta de ambiente temperado, com sabor neutro, e percebi que pêra é comida de doente...! Pouco ácida, macia, pouco calórica. E isso não é muito relevante, mas é uma descoberta, visto que só a maçã é lembrada como comida de doente. Porque esse preconceito com as pêras, não é mesmo? E agora me ocorreu outra coisa; que as pêras também são muito utilizadas como parâmetro para o corpo feminino. Tipo, um corpo em forma de pêra geralmente traz quadris largos, ombros finos, pouco busto. No entanto, ninguém lembra das mulheres pêras! Só lembram as mulheres “melancia”, ou então das mulheres “violão” que nem fruta são. Entende? Porque as pêras são tão discriminadas por nossa sociedade? As pêras também têm sentimento... Se elas falassem – que nem as vacas do Carlo -, elas provavelmente iniciariam uma revolta armada contra as outras frutas da cesta de fruta que sempre são mais pintadas nos quadros dos artistas.
Bom, essa é minha singela homenagem às pêras. Deixo aqui pra vocês, a foto de duas delas, provavelmente apaixonadas, que nem eu. =}

23 de junho de 2009

Sozinha na multidão.

Parece um clichê, quando escutamos os outros falando sobre esse estranho vazio que surge dentro da gente; mas na verdade é bem real, e dói. A propósito, eu sempre pensei que essa dor fosse metafórica. Sempre ouvi músicas, li em poemas, romances, e a mim parecia sempre tão exagerado! Como um sentimento poderia causar qualquer dor física? Mas então eu conheci a saudade. A saudade é traiçoeira... A gente nunca sabe se é boa ou ruim. É bom lembrar dos bons momentos, mas se precisamos lembrar é porque não estamos mais – pelo menos por hora – vivendo essas lembranças. É uma sensação ruim, essa de querer voltar no tempo e não conseguir. De repente, de tanto você lembrar daqueles momentos, você começa a reinventá-los em sua mente; começa a pensar que poderia ter feito isso ou aquilo diferente, pensar que poderia ter dito aquilo aquela hora, e ter dado um beijo mais longo na hora da despedida. Ah, é tão chato sentir saudade! Mas, por outro lado, e isso é mesmo um clichê, a saudade também faz sentir que valeu a pena. Valeu tanto a pena que você ainda queria estar lá, sentindo todas aquelas coisas novamente, como um filme preferido que você compra o dvd original só pra poder ficar revendo todos os dias, e pra dar pause naquela cena perfeita que sempre faz seus olhos se enxerem de lágrimas. Eu não sei explicar esse fenômeno, não sei explicar como posso me sentir só quando estou cercada de tantas pessoas que eu gosto... é só que parece que está sempre faltando um pedaço que, por menor que seja, não me deixa ficar completa. E o pior é que eu to sempre me sentindo assim; quando estou cá, quero estar lá, quando estou lá, quero estar por cá. Depois não entendem porque eu sou assim perturbada. Mas a verdade é que no meu agora, só há um lugar onde eu realmente queria estar; onde eu posso ser assim tão eu.

17 de junho de 2009

arrepio...

onda que irrompe na alma
eriçando a pele
e se propaga em pelo
atravessando o corpo

14 de junho de 2009

Do sexto andar.

O vento leste soprava forte na orla. Um sopro gélido, perdido no mormaço habitual da cidade; no calor que irradiava do asfalto para o corpo dos que passavam correndo, para a vida, que comemorava o nascer de mais um dia.
Em algum lugar perto dali, ouvindo o som das ondas que iam e vinham [incansáveis], Zeca ensaiava um sorriso no espelho. Chegara enfim o dia em que declararia seu amor; o dia em que revelaria à Isabela o quanto seu corpo regia apenas com o rastro de perfume que ela deixava no elevador. Ele costumava inspirar todo aquele ar de uma só vez, e prendia-o em seus pulmões pelo maior tempo possível, imaginando que, de alguma forma, aquilo pudesse aproximá-los. Entretanto, daquela manhã em diante, Zeca esperava não ter mais que contentar-se com o ar viciado do elevador - ele queria mais. Queria poder respirá-la de pertinho, sentindo em si as vibrações do ar que passaria dela pra ele, num interminável fluxo de sensações. Ele queria beijar-lhe o pescoço e divagar pelas trilhas que seus lábios percorreriam até explorar-lhe todo o corpo. Ah, Zeca sonhara tanto com este momento, e agora, há instantes de seu triunfo, encontrava-se paralisado, pateticamente estático, ensaiando sorrisos.
Com um longo suspiro, o rapaz dirigiu-se à cozinha. Necessitava de um facilitador, um incentivo; algo que lhe proporcionasse toda a coragem que passara meses reunindo, mas que ainda não dispunha. Abriu a geladeira e retirou uma garrafa meio cheia de Uísque. Serviu-se de uma pequena dose e, em seguida, de outra.
Com o copo na mão, caminhou até a varanda. Ajeitou na parede o velho quadro de mosaico, que estava inclinado; e, de repente, cada fragmento de vidro [colorido] refletia a imagem desejada de Isabela. Ele desviou o olhar o apartamento dela, situado logo ao lado do seu, janela com janela. Odiou-se por amá-la tanto e não ser capaz de dizê-la o quanto. Odiou-se, e odiou-se tanto, que quis jogar-se lá de cima – do sexto andar – só para não ter que se odiar mais. No entanto, uma canção distante o impediu. Era uma sinfonia natural; vento, mar e sol, todos entoando uma cantiga suave, que lhe acalmou o coração. Seus olhos então correram pelo calçadão, pelas árvores, pelos ladrilhos do chão... e depois repousaram sobre um casal sorridente, que se beijava ao sabor daquela melodia.
Zeca então sorriu. Um pouco pra si, um pouco pra ninguém. Sorriu e jogou uma pequena pedra na janela de Isabela. Ele agora tinha coragem.

12 de junho de 2009

Dia dos [des]namorados.

Eu tava assistindo MTV quando começou o "LAB - toca aí" especial do dia dos namorados. Não fiquei surpresa quando Fresno apareceu para escolher a primeira música, mas chorei horrores com a música que eles escolheram. Always. Aquela do Bon Jovi... quem já não curtiu uma fossa com aquela música? quem já não reviveu uma dor de cotovelo adormecida? No meu caso, o buraco é mais embaixo. Quem me conhece a mais tempo sabe que ela é minha música preferida ever! e que, inclusive, marcou o meu último namoro sério. Lembro que logo que o namoro acabou, eu fiquei com medo de não conseguir ouvi-la novamente sem lembrar das coisinhas ruins que, eventualmente, os finais de relações trazem consigo. Felizmente, aconteceu exatamente o contrário. Eu consegui apagar da minha mente tudo que, na época, me machucou por dentro, e só restaram as boas lembranças. Entre elas, o dia dos namorados. Até hoje eu tenho a cesta enorme que eu ganhei cheia de trufas. É claro que não sobraram trufas, mas a lembrança está guardada, perto das minhas bonecas e ursinhos de pelúcia. Sim, eu ainda tenho bonecas; gosto de manter sempre à vista os pedacinhos do meu passado, para que eu olhe ao redor e lembre de que o que eu sou hoje, é a união de tudo que eu já fui um dia. Mas bom, eu comecei a falar disso com um propósito. É que, com todas essas lembranças, eu percebi que o dia dos namorados é bem mais marcante para os que não tem namorado. Afinal, quando se tem namorado, o dia 12 não passa de um dia para trocar presentes, além de – o mais importante – ser também um ótimo pretexto para lembrar à pessoa amada do quanto ela é especial. Mas quando há amor de verdade, todo dia é dia disso (não necessáriamente envolvendo presentes)! Entretanto, aos que não tem a quem dedicar serenatas e declarações, esse dia parece interminável e incrivelmente solitário. Nós (solteiros) nos perguntamos porque estamos sozinhos; e alguns até inventam aquelas desculpas "de encalhados"... "estou só por opção", ou "estou me dedicando aos estudos agora". Mas a verdade é que, se pudéssemos mesmo escolher, escolheriamos ter sempre alguém conosco; alguém que nos fizesse sentir amados, desejados, amparados; alguém para escrever cartas de amor e ligar de madrugada só pra dizer "estou pensando em você". E o mais complicado... na maioria das vezes, esse alguém tem nome e endereço, e nós apenas não temos coragem de procurá-los, ou não somos correspondidos, ou somos correspondidos e não sabemos. Por isso, o dia dos namorados para os solteiros é ficar olhando os casais se abraçando na rua, no parque, no cinema; e é pensar que seria realmente muito bom ter (aquele) alguém para, pelo menos, andar de mãos dadas por aí. [Um feliz dia dos namorados (para os que tem). E para os que não tem... muito chocolate! rs.]

10 de junho de 2009

Se bastasse querer.

Sabe aquele arrepio na espinha? Uma dorzinha pontiaguda no estômago, uma tremedeira nas pernas, uma mordiscada no canto do lábio para segurar a boca - que parece que ta relaxada de tanto sorrir. Para de rir, Nat. Fixe o olhar num ponto e respire, logo você se acostuma com essa sensação. Eu não sabia se ia durar; nunca sei. Mas queria tanto que durasse! Fazia tempo que não sentia assim: numa hora contanto os segundos para o tempo passar, noutra, fechando os olhos pra parar no tempo. Era como uma dança lenta, e a voz dele me conduzia por um imenso céu, coroado por estrelas prateadas que nos serviam de holofotes. Vez por outra a luz passava por ele, revelando uma fatia fininha do seu rosto; e depois ia sumindo, sumindo, sumindo... Era como ver a lua, minguando sob uma cortina de nuvens. De repente o ritmo se acelerava; meu coração saltava dentro do peito. E nessa hora, quando os olhos se encontravam em uma reta única, e as mãos se apertavam como se para nunca soltar; a cabeça se inclinava (a minha pra cima e a dele pra baixo), e eu tinha que ficar na ponta dos pés para que nossos lábios finalmente conversassem. Sem palavras. Só estalos. Eu queria tanto que durasse! Pena que acabou.

2 de abril de 2009

Bola fora

Falar pouco é uma arte que eu não domino. Sou sempre prolixa demais, repetitiva demais; falo coisas que sei que não me cabem, só para me arrepender depois. Deve ser masoquismo inconsciente, ou burrice incurável. Costumo dizer que no meu coração, eu mando; mas que da minha boca eu sou refém. Preciso aprender a calar, quando as palavras falham; e acreditar que as coisas podem ser reais, ainda que eu não possa descrevê-las. Tenho essa mania esquisita de pensar com um lápis na mão, e fico desenhando figuras sem sentido, tentando dar formas às abstrações que me vêm à mente. Síndrome de São Tomé? Vai saber. Pra quem só acredita vendo, eu devo usar o grau errado, porque tudo que eu vejo é distorcido, todas as minhas idéias são perturbadas. Quando eu penso que a bola vai entrar, a trave se move e é só tiro de meta para o time adversário. E quando ela finalmente entra, é impedimento. Ô, seu juiz, dá um tempo, né?

31 de março de 2009

Ciranda

A vida hoje me pregou uma peça. E parece que é sempre assim; ela (a vida) se diverte nos fazendo de bobos. E os tiros saem pela culatra, a verdade se contradiz, os sentimentos se invertem, e (aí) a trama toda se complica; e o mocinho vira vilão, o príncipe vira sapo, a princesa cai da torre e o dragão a segura, voando pelos céus com suas asas de anjo (que caiu). Se esperamos demais por algo, surge a decepção, vinda não sei de onde, só pra atazanar. E quando já estamos cansados dela, desmotivados e decididos a jogar tudo pro alto, acontece "aquela coisa" que faz tudo mudar. É nessa hora que as cores se tornam mais intensas, e até o preto parece mais cinza, o branco quase vira luz. De repente, toda música que toca, toca pra você; e os cheiros te lembram os cheiros daqueles outros cheiros que você sentiu e gostou.

Acho que é daí que vem aquela idéia de pensamento reverso; de ficar pensando no não para ver se vem um sim... mas eu não acredito nisso. Minha teoria é que tudo são pontos de vista, e só. Quando o contentamento é grande, o brilho dos olhos ofusca “aquelas coisinhas” que seriam “grandes coisas” se pudéssemos enxergá-las. Chamo isso de ponto cego. E qual a solução? Não tem. E pra que solução? É tão bom quando a peça que a vida prega é a peça que estava faltando para nosso quebra-cabeça! (que quebra, e fica de ponta cabeça, e muda conforme a gente muda) Eu aconselho escrever um livro, pra relembrar quantas vezes der na telha o gosto daquela velha surpresa, e esperar por mais. E quando o mais não vier, e a decepção chegar, blá blá blá blá, pois eis que chega a roda viva... e tudo volta pro lugar.

Quem me segue (se perde comigo)