27 de janeiro de 2010

Postagem nada coletiva

Esse deveria ser um texto para uma postagem coletiva, cujo tema é “apenas mais uma de amor”, mas de repente minha cabeça ficou tão vazia de tudo e cheia só de você, que eu percebi que não queria escrever por nenhuma das minhas personagens hoje, porque o nosso romance é o meu preferido.
Hoje, quando eu acordei, meu pai estava usando uma camisa de lampião que lembra aquela que você tem e que eu adoro, porque ela tem praticamente a mesma combinação de cores da camisa que você usou quando me pediu em namoro, que também combinava com o sorvete de amendoim e ameixa que eu tive que tomar. Grande idéia, a minha: “você toma meu sorvete preferido, e eu tomo o seu”. Se eu soubesse que seus sorvetes preferidos eram a junção do mais calórico com o mais amargo, eu não teria proposto. Não sei se eu já lhe disse, mas eu odeio qualquer coisa de ameixa. Odeio até bolos de casamento, justamente por terem ameixa, mas, por alguma razão, aquele sorvete de ameixa era diferente. Quer dizer, na primeira lambida eu senti meus olhos arderem, mas depois me concentrei em você devorando o delicioso sorvete de baunilha e coco que eu tinha escolhido, e comecei a achar tudo aquilo muito bom. Na verdade, eu estava bem mais preocupada com as calorias do amendoim do que com o gosto da ameixa... No início do namoro a gente tem que manter a forma, né? Depois a gente relaxa e diz que é pra testar o amor.
Tá vendo esse parágrafo anterior? É sempre assim. Eu penso em um pequeno detalhe que me lembra você (não que eu precise de alguma coisa pra lembrar de você) e parece que uma teia de aranha vai se formando em minha cabeça. Uma coisa leva a outra, e a outra, e a outra... Ilimitadamente. É quando eu percebo que a teia não é de aranha, é sua, e não está em minha cabeça, está em todo lugar. Cada rosto que eu olho, procuro algo seu. Pode ser um óculos, um corte de cabelo, um sorriso. É claro que eu nunca encontro realmente, mas você bem sabe que minha imaginação é fértil, e têm horas que eu tenho a impressão de que estou cercada por centenas de pessoas com sua boca, ou seus olhos, ou suas orelhas, ou seu nariz... Pessoas com pedacinhos de você, sabe? E a vontade que eu tenho é de recortar todo mundo e fazer uma montagem sua pra mim. E ah!, eu também escuto vozes. No restaurante, quando enchi meu prato de comida, eu posso jurar que ouvi você dizendo "estou orgulhoso de você, amor", e quando eu perguntei ao garçom sobre os sucos, você disse “um de maracujá, por favor”. Só depois me dei conta de que eu mesma tinha pedido o suco, que, aliás, eu nem tomei pra não chorar.
Voltei calada no carro. Meus pais falando sem parar, meu irmão tocando violão (é, dentro do carro), e eu sem ouvir nada. Éramos apenas eu e meus pensamentos, assim como você diz que fica com os seus quando está deitado na sua cama. Por um instante eu até me imaginei na sua cama também, olhando pro seu teto inclinado que parece teto de casa de boneca, enquanto sua cachorra latia sem parar. Quando cheguei em casa, me joguei na rede – meu corpo todo doía como se eu tivesse levado uma surra - e olhei pro céu. Me perguntei se o céu que eu vejo aqui é o mesmo que você vê aí, e, não sei porque, nesse momento eu imaginei você me olhando por cima dos óculos, como você faz quando está sentado e eu estou em pé na sua frente. A partir daí, meu pensamento decolou. Fiquei lembrando da forma como você caminha com a mochila nas costas, do som dos seus passos, das camisas imensas que você usa de vez em quando - que são tão grandes que caberíamos nós dois lá dentro. Lembrei das suas mãos grosseiras na medida certa, sempre suadas, e da sua mania de ficar mudando de lado quando a gente anda junto. Lembrei do jeito que você morde o lábio superior quando está triste e da sua “cara de dor” quando quer chorar. Mas lembrei principalmente da sua expressão de serenidade, de quando a gente vem caminhando em direções opostas pra se encontrar na praia, na faculdade, no meio da rua, em qualquer lugar...
Foi nessa hora que meu celular tocou. Pulei da rede e fui correndo atender,  na esperança que fosse você - mas não era. É sempre você, mas hoje não era. Eu lembrei daquela música “o telefone tocou novamente, fui atender e não era o meu amor, será que ele ainda está muito zangado comigo?” e foi quando eu lhe telefonei. Esperei você dizer “oi amor”, mas você só disse “oi”, e eu tive vontade de morrer (senti medo que você não me amasse mais, mesmo ouvindo você dizer o contrário). Meu primeiro impulso foi chorar, e eu só me controlei pra não parecer descontrolada; mas, se quer saber, eu sou mesmo descontrolada quando estou longe você. É você quem tem as pilhas do meu controle remoto. E é por isso que esse post não pode, jamais, se chamar “apenas mais uma de amor”, porque meu amor por você não é mais um e não é apenas, e nada sobre ele o será. Meu amor por você é coisa de outro mundo, é um mundo de outras coisas que eu nem mesmo sabia que existia...

25 de janeiro de 2010

Um drinque.

- Um drinque, por favor.
- Você é maior de idade?
- Sou.
- Pode me mostrar algum documento que comprove?
- Bom, é que eu acabei de ser assaltada e...
- Ah, sim, claro.
- É sério!
- Eu sei.
- Então vai me dá um drinque?
- Não.
- Por que não? Eu juro que fui assaltada. Eram dois, não, eram três homens enormes, e eles queriam me seqüestrar, mas eu estava muito desesperada, chorando e gritando demais e eles acharam que chamaria muita atenção, por isso só levaram minha carteira.
- Qual era a cor da camisa do homem mais alto?
- Azul.
- E do mais baixo?
- Azul também.
- Estavam todos de azul?
- Não, o do meio estava de branco.
- Mas não eram os três enormes?
- Eram, mas até o mais baixo era enorme em sua pequeneza.
- O mais alto devia ser muito grande então...
- Ele era gigantesco! Devia ter uns dois metros.
- Nossa, você deve ter ficado com muito medo.
- Por que você acha que eu quero um drinque?
- Não sei...
- Vamos lá, por que eu mentiria pra você?
- Pra conseguir um drinque?
- Não... Seduzir você seria mais fácil.
- E porque não me seduz?
- Porque eu prefiro os caras com namorada.
- Eu não posso ter uma namorada?
- Pode, mas não tem.
- Explique-se.
- Se você tivesse uma namorada, não estaria falando comigo esse tempo todo.
- Eu não posso ser um canalha?
- Pode, mas não é.
- ...
- Se você fosse um canalha, você tentaria me embebedar e...
- Te daria um drinque.
- Exatamente.
- Qual era mesmo a cor da camisa do cara que te assaltou?
- Azul.
- Não eram três?
- Você vai me dá o drinque ou não?
- Não.
- Idiota.
- Ei!
- O que é?
- Quer tomar um drinque comigo amanhã?
- Quero.
- Traga sua certidão de nascimento.

24 de janeiro de 2010

A cidade insone



O sono desce as avenidas
Banhadas do sangue inocente
De algum indigente
Esquecido na sarjeta
Quem sabe, com um tiro na cabeça,
Esperando pela morte
Já que a sorte não vem

Sem freio, o sono se esconde
Nas esquinas
Sob a saia das meninas
Que as tiram por qualquer tostão
Pra qualquer barão
Que minta bem
E troque falsas esperanças
Por uma trepada de graça

Tangido pela fome,
O sono some nas vielas
Em busca de abrigo,
Mas o céu chove sobre as pontes
E as crianças debaixo delas
Choram com frio e com medo
De que o resto de suas vidas
Seja um beco sem saída

O sol já vai surgindo,
Mas o sono ainda vaga
Entre as putas humilhadas
E os pobres exilados
Que dormem nas calçadas
Onde os gritos sussurrados
E as atrocidades impunes
Só a cidade testemunha
Em suas madrugadas insones.

21 de janeiro de 2010

Rotas

Paixão é estrada longa
Que percorro nas curvas
Do seu corpo molhado

Meu suor é chuva
Que molha seu corpo
Ao longo da estrada

Seu corpo é mapa
Escrito em braile
Que me guia

Entre o vale dos seus seios
Para atalhos do prazer,
Perto da perdição.

20 de janeiro de 2010

Não amo ninguém!

Ela se apaixonava rápido. Não porque fosse fácil ou desesperada, mas porque estava sempre com o coração desocupado. É que ela também se desapaixonava rápido; não queria passar tempo demais esperando pela paixão errada.
Estava sempre a procura de uma paixão em potencial. Se encontrava algum rapaz bonito, que lhe desse atenção ou lhe sorrisse com ternura, dizia pra si mesma que podia ser ele, a paixão que procurava, e se apaixonava loucamente pela possibilidade de se apaixonar de verdade. Escrevia o nome dele no caderno, desenhava corações na porta dos banheiros, ouvia músicas pensando nele e fazia poesias, tudo para se convencer de que o amava. E quando percebia que se enganara outra vez, era como se sua nuvem de sonhos chovesse, e ela chorava copiosamente a morte do amor que aprendera a sentir.
Durante anos ela seguiu assim: sempre amando ou sofrendo. A maioria das paixões que ela tinha era platônica, mas houve duas ou três que evoluíram para algo mais sério, embora não tão sério quanto ela queria. Porque ela não se contentava em gostar, ela precisava amar, e amor demais assusta. Gostar é pra coisas – diria se perguntassem - pessoas são feitas para amar. Ela gostava de amar pessoas. Gostava de dizer “eu te amo” mesmo que a recíproca não fosse verdadeira, e gostava de deitar na cama e ter em quem pensar, mesmo que não passasse disso.
Um dia, durante uma caminhada na praia, uma amiga já casada e com filhos questionou o motivo de ela jamais ter se casado. “Mas você ama alguém de verdade?”, indagou a moça. E ela respondeu cantando... “Se todo alguém que ama, ama pra ser correspondido. Se todo alguém que eu amo, é como amar a lua inacessível, é que eu não amo ninguém. Não amo ninguém. Eu não amo ninguém, parece incrível. Não amo ninguém. E é só amor que eu respiro.”

17 de janeiro de 2010

Poesia de bar (pra engarrafar a saudade)

A neve que cai em minha janela
Lembra sua caspa em meu moletom
Minha panela com molho vencido
Lembra a cor do seu batom
Que lembra sua boca em meu ouvido
Cantando fora de tom
O refrão que não para de tocar
No jukebox do bar

O meu despertador
É seu cachorro latindo
O toque do meu celular
É seu tango argentino
As contas no meu cartão
São vestígios dos vestidos
Que você comprou pra eu rasgar
No banheiro sujo do bar

Encontrei o disco arranhado
Da nossa primeira lambada
Lembrei da dança em seu ventre
Da lambida em seu umbigo
Das noitadas de domingo
Do seu corpo como o copo
Que matava minha sede
Longe das mesas de bar

Seu cabelo ainda está na minha escova
Sua roupa ainda está para lavar
Seu olhar me encara no retrato
E sua voz me fala, na secretária eletrônica,
Que nós não estamos
Mas que vamos voltar
Por isso que eu, cansado de mim
Eu espero por nós no chão desse bar.

15 de janeiro de 2010

Estrelas são amores que morrem

Sabe, eu descobri que esse brilho que te enfeita o olhar quando tu me olhas é estrela. Estrela verde, ainda no pé. Olhos são ninhos de amor e pomares de estrelas. Outro dia, caminhando na rua e olhando pro céu, encontrei uma estrela da cor dos teus olhos. Primeiro sorri - senti o vento me envolver e pensei no teu abraço -, mas depois senti uma estranha tristeza nascer em meu peito e crescer, como fosse me engolir por dentro. Fiquei sem entender o porquê daquela angústia, a razão daquela súbita vontade de chorar, até que olhei novamente a estrela cor-de-teus-olhos e reconheci o teu olhar manhoso; aquele de quando tu queres colo, de quanto tu estás carente. Naquele momento eu soube que aquela estrela era tua. Ela brilhou nos teus olhos como esse brilho que te enfeita o olhar quando tu me olhas hoje, mas por outra pessoa. Estrelas são amores que morrem. E meu medo é deixar de ser brilho nos teus olhos pra ser estrela no teu céu.

13 de janeiro de 2010

Ob.sessão da Noite.

Era por uma janela que ele a espiava todas as noites. Sentava-se na varanda, abastecia-se de suprimentos, binóculos, e esperava que ela, em algum momento, abrisse a cortina. Quando as noites eram de lua cheia, colocava também uma música instrumental para orquestrar a tão esperada aparição. Sim, porque nessas noites – em especial – a aparição era definitivamente devastadora: a persiana se abria lentamente, revelando inicialmente apenas fatias aleatórias da mulher; mas à medida que a cortina ia sendo puxada, um corpo feminino completamente nu ia se revelando, como uma lua crescente que crescesse em questão de segundos. Não era todo dia que se via duas luas assim, uma ao lado da outra, competindo para ver quem tinha o brilho mais ofuscante.
Naquela noite de lua cheia, entretanto, ela não apareceu. Ele se levantou da cadeira, sentindo uma mistura de decepção e preocupação, e conferiu o calendário na porta da geladeira: não era domingo, nem segunda, nem quinta, portanto ela não estava no Ballet, na academia ou jogando baralho com seu grupo de amigos fúteis e desocupados. Os pais dela já estavam mortos, e também não havia irmãos ou tios que pudessem importuná-la tão tarde da noite.
Teria arranjado um novo namorado? Mulheres bonitas, como ela, eram sempre cheias de admiradores, como ele, e não seria de se estranhar que algum deles houvesse se declarado. E menos de se estranhar ainda que ela houvesse aceitado, já que andava muito triste e carente desde a morte inesperada do seu último namorado. O coitado fora atropelado por um opala antigo na saída do trabalho. Os policiais não encontraram o responsável, pois o veículo fora rapidamente abandonado e não havia placa ou digitais que pudessem identificar o proprietário. Testemunhas oculares afirmaram ter visto um homem bastante gordo, só de cueca e careca caminhar pelas redondezas, mas afirmaram também que seria impossível que alguém daquela largura tivesse saltado do carro com tamanha agilidade, a ponto de não ser flagrado por ninguém. Os policiais prometeram não desistir do caso, uma vez que ela aparecera aos prantos na delegacia, usando uma calça legging e um top de ginástica – era segunda feira, dia de academia. Desde então, ela só vestia preto e não parava de ouvir as músicas muito ruins que o falecido namorado gostava de ouvir, que ela costumava odiar, e cujos CDs desapareceram misteriosamente – ela tivera que comprar todos novamente. Portanto, realmente não seria de se estranhar se ela tivesse decidido romper com o luto, e seria até bom que ela voltasse a usar lingerie vermelhas, mas ele preferia não pensar na idéia de sua musa estar com outro rapaz tão cedo.
Ainda frustrado, ele abriu a geladeira. Retirou uma torta de chocolate particularmente apetitosa e devorou metade dela em alguns minutos, enquanto mantinha o olhar fixo em algum ponto nulo na parede da cozinha. Ela tinha que ter escolhido aquela noite para não aparecer? Justamente aquela noite, pela qual esperou ansiosamente desde a manhã anterior, quando acordara imerso em suor. Ele sonhara com ela. Sonhara que ela vinha à sua casa vender biscoitos para arrecadar fundos para a formatura. Ela usava um short curto de barra desfiada e uma blusa branca. Lembrava-se de ter desejado – no sonho – que começasse a chover ali mesmo, no corredor do prédio, só para que pudesse notar os mamilos dela se enrijecendo. Contudo, na falta da chuva, ele a tomou nos braços e carregou até o chuveiro, deixando rastros de biscoito por toda casa. Depois disso, ele só lembrava de ouvi-la gritando desesperadamente, chamando-o de ogro tarado. Em outro momento ele se sentiria ofendido e provavelmente se afastaria, envergonhado de si mesmo, mas ele olhou pra aquele corpo sinuoso, tão próximo ao seu – volumoso e pesado –, e todo receio foi embora pelo ralo, junto à água quente que caía do chuveiro enchendo o banheiro de vapor.
Assim que ele engoliu o ultimo pedaço de torta, sua visão foi gradativamente recuperando o foco, e todas as imagens esfumaçadas que preenchiam sua mente, em forma de sonho, foram se tornando mais nítidas; as lembranças foram se tornando cada vez mais reais. Subitamente os olhos dele se arregalaram. A garganta se fechou para que toda a torta, animalescamente devorada, não voltasse à boca de uma só vez. Em um surto de tremedeira, ele cambaleou até o banheiro, apoiando-se nas paredes. Abriu a porta devagar – como se procurasse uma fenda no tempo. O ranger das dobraduras assemelhavam-se aos ruídos que advinham do seu próprio cérebro, que maquinava freneticamente, tentando assimilar o redemoinho de informações que se revelava de forma tão inesperada. Quando a porta finalmente se abriu, o choque: o corpo dela, esparramado sobre os azulejos encardidos do banheiro. As roupas estavam rasgadas, as pernas em uma posição no mínimo improvável (até mesmo para a melhor das bailarinas). E por fim, o rosto branco com olhos saltados às órbitas confirmaram a total ausência de vida.
Desesperado, ele se afastou do cômodo. Chocou-se ainda com a parede antes de correr para o quarto  e pegar um molho de chaves. Desceu para o estacionamento exatamente como estava: apenas com roupas de baixo. Com as mãos trêmulas, escolheu a chave para um dos carros antigos que fazia parte da sua coleção. Entrou no veículo, girou a chave na ignição e foi embora, ouvindo uma música muito ruim.

5 de janeiro de 2010

Amaresia

Meu corpo deixa-se levar por tua correnteza
Que me leva e traz ao teu bel prazer
E me afoga na maré da tua prosa decorada
A jazer nos tesouros dos teus velhos navios
Afundados nos peitos muitos em que tu ancoraste
Esquecidos nos vários portos que tu abandonaste
Temeroso dos mares bravios e das tempestades

Sou uma concha pequena em tuas mãos
Basta que tu as feche para me despedaçar
E me transformar nos grãos que caem
Da tua ampulheta para os chãos de areia
Que no futuro teus pés virão a pisar
E cujas pegadas tuas ondas hão de apagar
[para sempre]

Mas eu tenho alma de pescador
Desafio teus monstros marinhos
E mergulho sozinho na tua boca vadia
- arriscado a ficar sem ar
Abro os olhos no sal da tua pele
Independente de arder ou cegar
E invisto toda a minha coragem
Na covardia corrente que te inunda.

Quem me segue (se perde comigo)