29 de setembro de 2009

[D]esvaziada.

Por muito tempo eu senti um imenso vazio dentro de mim. Um ralo na alma, por onde escorriam todas as minhas felicidades, todos os meus sorrisos efêmeros. Aliás, efêmera era eu, que nunca era um único eu. Quando estava sendo, simplesmente escorria também, e juntava-me aos risos que eu não ria mais – eles que riam de mim.
Por muito tempo eu tentei preencher esse vazio. Tentei preenche-lo com poesia, flores e velas. Mas os amores que se acomodavam ali eram pequenos demais, e quando eu menos esperava, eles escorriam feito areia em ampulheta, e sumiam por aquele mesmo ralo.
Por todo esse tempo eu me senti extrema. Extremamente pequena por não comportar amor algum, extremamente grande por não caber em nenhum amor. Pensei que meu coração era desconfortável, e que por isso ninguém ficava nele por muito tempo. Pensei que o buraco em minha alma era uma rota de fuga, um cano de escape, por onde escapavam todas as minhas ilusões.
Até que eu parei de cultivá-las (as ilusões) e encontrei você. Seus olhos me transportaram por caminhos que eu não conhecia e, mergulhando neles, mergulhei também em mim, refletida em suas íris na minha pior forma. E mesmo assim você me recebeu em seus braços, me aceitou, e me amou como alguém que eu não era (mais), me fez acreditar que eu poderia (voltar a) ser. Me fez acreditar que eu poderia ser sempre – e não só as vezes –, sob a única condição de ser sua.
Só então eu entendi o porquê daquele vazio nunca sumir – até então. Ele era o seu vazio, o seu lugar vago. E entendi que não era eu que era extrema. É que apenas você tem o tamanho exato para caber no meu coração, e todos os outros serão sempre grandes ou pequenos demais. Por isso às vezes eu me sentia só, mesmo estando junto, ou cheia, mesmo estando só. Porque cada um tem a peça perfeita para o seu quebra-cabeça. E você era a minha.
Hoje as minhas felicidades não escorrem mais, no máximo nublam. Mas quando você vem – e faz chover todas as minhas incertezas – o sol volta a brilhar, e eu volto a sorrir os meus próprios sorrisos.

26 de setembro de 2009

Triângulo amoroso

João amava Maria que amava Pedro que amava Maria também.
João morreu afogado
Pedro teve um infarto.
João doou o coração para Pedro
E foram todos felizes
Maria, Pedro e João.

23 de setembro de 2009

Dedos musicalizados

Renan (e su'as Obras do Chá) fez arte com meu poema amador!
Ele musicalizou e ficou muito lindo.
Escutem. As Cifras estão disponíveis no blog dele (link logo acima). Aliás, o blog dele é puro deleite.
E obrigada Renan, a gravação está ótima *-*


Dedos por Renan V. J. de Oliveira e Natália Corrêa:


Pra quem não conseguir ouvir, o link está aqui.

20 de setembro de 2009

Dedos

que deslizam pelos teus cabelos,
dedos que se entrelaçam nos teus
dedos
que dedilham corda por corda
dedos que descansam na ponta dos teus
dedos
que falam sem emitir som,
dedos que falham ao mudar de tom

dedos que pintam estrelas no breu,
dedos que estralam quando encontram os teus
dedos
que me confessam os teus segredos
dedos que aparam, com melindre, esses
dedos de água ardente que escorrem
[dos meus olhos]
entre os meus dedos.

17 de setembro de 2009

Narcisismo

Eu sempre conheci e usei a palavra "narcisismo", mas nunca havia parado para ler sobre sua origem. Eu sabia que havia uma lenda sobre Narciso, e sabia, apenas por osmose, que ele fora alguém que se apaixonara pela própria imagem. No entanto, hoje - há alguns minutos - eu recebi um e-mail com essa história. Na verdade eu não costumo ler meus e-mails, minha caixa de entrada é sempre lotada e eu tenho muita preguiça, mas eu estava no MSN quando subiu o aviso de recebimento de um e-mail de uma antiga professora minha. Eu abri apenas por curiosidade, e me deparei com um daqueles e-mails de power point, com uma tradicional música de relaxamento ao fundo e com aquelas imagens retiradas do google. Eu geralmente nem vejo esses e-mails [com exceção dos enviados por minha mãe, que - não sei como - sempre seleciona mensagens de caráter telepático ou profético], mas resolvi ver esse e me surpreendi.
A história é praticamente o que eu imaginava... Narciso era um rapaz muito belo e todos os dias contemplava o reflexo da sua própria beleza em um mesmo lago. Um dia, fascinado consigo mesmo, ele cai no lago e morre afogado. Depois disso, o lago, que era doce, transforma-se em um "cântaro de lágrimas salgadas". Aparecem então as Oreiades, Deusas do Bosque, perguntando ao lago a razão de suas lágrimas. O lago responde que chora por Narciso, tal qual as Oreiades imaginavam, mas as surpreende com uma indagação: "Mas Narciso era belo?" pergunta ele. Logo ele que, supostamente, vira por tanto tempo a imagem do rapaz em suas águas. E então ele completa com a passagem mais significativa da lenda: "Choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas próprias margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos, minha própria beleza refletida."
Eu sei que até agora nada que eu escrevi faz sentido. Mas isso porque a minha mente está a mil, e quando eu fico assim, pensando demais, tenho vontade de fazer com que todos entendam meu ponto de vista. Isso, aliás, comprova o que eu estou pensando. Penso que, no fundo, todos nós somos narcisistas - em menor ou maior proporção. Inventamos nomes bonitos como "afinidade" e "identificação", mas a verdade é que a maioria de nós se apaixona pela imagem de si mesmo que há nos outros. É muito fácil amar alguém quando esse alguém possui as mesmas convicções que nós, os mesmos gostos, as mesmas crenças. É claro que depois o verdadeiro amor se desenvolve, e transpõe às barreiras da afinidade, mas eu realmente acho que ele começa na gente. Quantas vezes não conhecemos uma pessoa e dizemos para nós mesmos: "poxa, fulando é muito legal, ele entende exatamente o que eu sinto"? Em geral, queremos ouvir apenas aquilo que nós mesmos diríamos [se coubesse a nós dizer], e queremos que os outros sintam e amem da mesma forma que nós amamos, porque, na nossa cabeça, o nosso jeito é o jeito certo.
Quantos relacionamentos não acabam sob aquele clichê: "éramos diferentes demais"? Não é à toa que as pessoas mais presunçosas têm dificuldade de encontrar alguém; é que eles estão tão preocupados em enxergar sua própria beleza nos outros, e se julgam tão superiores, que acabam esquecendo de reparar que esses outros também possuem sua própria beleza. Cai, portanto, a velha teoria de que opostos se atraem. Opostos não se atraem, opostos se completam, mas para que as metades se encaixem é preciso bem mais que amor. É preciso tolerância, disposição para compreender que às diferenças não são necessariamente ruins, e até um pouco de bom senso para perceber que, se fosse para ter alguém igual a nós, bastaria um espelho.

12 de setembro de 2009

Amor de pedra

– Diga, dona pedra, tua vida não é muito monótona? Como tu consegues viver sempre parada e calada? Não te dói não poder dizer "eu te amo"?

– Minha querida, ser pedra é muito difícil, mas monótono não. Às vezes sentam em mim, às vezes me chutam pra longe, às vezes até me jogam no rio só p'ra ver a água espirrar. Mas a cada um é dada a habilidade que o compete. Por isso eu sou dura, forte e quase inquebrável, para que eu possa suportar tudo isso e ainda alicerçar o chão daqueles que eu amo, sem deixá-lo ceder jamais. Portanto, eu não preciso dizer "eu te amo" a ninguém. Vivo apenas a acreditar e esperar que meus amores saibam que estou sempre a zelar por eles - daqui do meu lugar, aqui no meu silêncio.

7 de setembro de 2009

abajur.

A noite engolira o dia tão rápido que parecia que o sol saíra fugido de alguém. Num minuto estava ali, noutro não estava mais. A tarde tivera morte súbita - simplesmente desbotou.
Os postes todos se acenderam, então. As lâmpadas incandescentes atraíram mariposas, que permaneceriam a voar em círculos incansavelmente. O que querem as mariposas? Perguntei-me apenas por perguntar [a resposta não era importante].
Mas a fome da noite é grande, e não satisfeita com o dia, passou a engolir as praças, os bancos, os carros, as gentes e, por fim, os postes. Restou apenas eu e as mariposas, correndo atrás da lua.

Pessoas, mariposas, todos querem a mesma coisa: luz - mesmo que seja apenas uma no fim do túnel.

6 de setembro de 2009

Sufoco

é sentir que os degraus da escada se multiplicam conforme se sobe. Uma espécie de subida interminável, e você está nela há tanto tempo que nem se lembra mais aonde quer chegar. De vez em quando, quando muito ousado, você arrisca uma espiada pra baixo... uma olhadela bem rápida, entrando já saindo, só pra ver o quanto já subiu; mas [surpresa!] há uma névoa densa e escura impedindo sua visão. O que fazer numa hora dessas? Arriscar pular para o caso de ainda estar perto do chão? Ou continuar subindo pra ver onde vai dar? Se você pular, oh-ou, pode se espatifar. Mas e se essa subida realmente não tiver fim?

Não sei. Só sei que uma hora a gente cansa - de subir, de esperar, de cair, de errar. Uma hora a gente cansa de não saber e começa a tentar entender as coisas. Eu, por exemplo, estou começando a entender que a minha subida não tem valor algum, se eu não parar para reparar em como o céu é azul acima das nuvens. Minha subida não tem valor algum, sem alguém assim, afim de me acompanhar...

Ultimo Romance - Los Hermanos.

Quem me segue (se perde comigo)