Entro no seu jogo, mas não sei até que ponto você está jogando. Sei apenas que seus olhos lançam sobre mim o pecado e me contaminam. Você fere minha inocência e deflora meu pudor, impelindo ao meu corpo o desejo insano por seu desejo. E eu o invoco! porque – não posso resistir – gosto de vê-lo incendiar quando me vê. E eu o afasto! porque tenho medo que seu fogo me consuma, como o inferno um dia há de fazer.
Sua mão que me afaga também me apedreja¹. E sob a exigência do seu toque eu já não sei se me assusto ou me entrego. O eco do seu abraço se prolonga... Ora me protege, ora me ameaça, mas sua inconstância me atrai tanto quanto me repele, e eu permaneço enclausurada nessa prisão de enigmas. Os teus e os meus. Minhas verdades mudas e suas mentiras proferidas.
Ouço o chamado dúbio da sua voz enquanto durmo. Sinto uma brisa me beijar mesmo quando janela está fechada, e um arrepio me sobe em espiral. Você traz o seu olhar pra velar meu sono?
Acordo sobressaltada e me descubro ofegante. Olho pra parede e ele (seu olhar) está lá. Não mais em sua face pálida, mas tatuado nos meus olhos – como um papel de parede. Porque eu preciso que você me olhe.
¹ trecho original do poema "Versos Íntimos" de Augusto dos Anjos.