30 de outubro de 2009

Extra-ordinário

Este tem sido um dia extraordinariamente ordinário!

Às vezes acontece de, após uma sucessão de dias especiais (entenda especial como qualquer coisa que nos tire da rotina), você se encontra olhando para um dia que não tem nada a oferecer, e fica aliviado por poder simplesmente não se importar.

Você pode almoçar e jantar, sem se preocupar com o horário; você verifica seus e-mails; você conversa com alguns amigos; liga para o seu namorado e cai na risada por não ter nada a dizer; você deita na grama com uma pessoa que você vê todos os dias, mas nunca tem tempo de conversar... E lentamente, tudo derrete.
Você acha conveniente ignorar os mosquitos e esperar até que o céu que você está olhando se torne o papel de parede das suas pálpebras, dando a ilusão de que elas ainda estão abertas. Quando você fica sonolento, uma melodia familiar desaponta no fundo da sua inconsciência, e você quase pode sentir seu corpo dançar.

Isto é quando o ordinário é extraordinário. Casa não são apenas quatro paredes e um teto. Casa é uma sensação de proteção omnipresente (você pode se sentir em casa nos braços de uma pessoa amada), onde nada é desconhecido... Tudo está dentro de você, ali. Queria que alguém pudesse entender! Euforia se aproxima de definir, talvez...

24 de outubro de 2009

Fé cega, faca amolada

É muito fácil culpar alguém pelos erros que nós mesmos cometemos. E, em verdade, todos fazemos isso uma vez ou outra, de forma menos ou mais freqüente. Seja pelo receio do remorso, para lidar com uma dor, ou simplesmente por covardia, essa atitude é geralmente justificada pelo desejo egoísta de sentir-se melhor (mais leve). Feliz ou infelizmente, nem sempre funciona. Na maioria das vezes, conseguimos nos ressalvar apenas do julgamento alheio, mas continuamos sujeitos ao julgamento pungente da nossa própria consciência - que pode ser muito intransigente.
Entretanto, há quem faça isso tão bem, que acaba convencendo não somente os outros, como a si mesmo. Bom, enganar a si próprio é burrice [como podemos aprender com os nossos erros sem reconhecê-los como nossos?]. Mas, fazer alguém inocente acreditar que é culpado, não é muita crueldade? Se aproveitar da inocência e ingenuidade de um coração que não vê maldade em ninguém; usar a fragilidade do outro em benefício próprio... para mim, isso é inadmissível. Se é para jogar sujo, que seja com pessoas sujas, que talvez até mereçam provar um pouco do próprio remédio. Mas deveria existir uma lei que proibisse magoar as boas pessoas, enquanto as boas pessoas ainda existem.

20 de outubro de 2009

Beatriz

Beatriz tinha um marido. Um marido bonito, robusto, de aparência muito imponente. Era Benedito, mais conhecido como “bendito Benedito" pelas outras mulheres de bairro.
Embora tivesse um bom coração, Benedito ainda era um homem rude e antiquado, com costumes bastante ultrapassados.
Benedito não deixava Beatriz trabalhar. Para ele, lugar de mulher era em casa, cuidando do fogão e cuidando dos filhos. Mas ele não se importava que Beatriz não pudesse ter filhos (retirara o útero por engano, numa cirurgia de varizes); para ele isso era até bom, pois sobrava tempo para ela lhe fazer massagens quando chegava cansado do trabalho.
Entretanto, Benedito era um ótimo marido. Não passava um dia sequer, sem que ele enviasse flores à sua esposa. Ele a levava ao parque, ao teatro, ao mercado, e a qualquer outro lugar que ela desejasse – desde que com ele. Às vezes também saiam para dançar, e tudo que se ouvia eram suspiros das mulheres que sonhavam estar no lugar de Beatriz. Benedito era um pé de valsa, e até as melhores amigas de Beatriz já haviam tentado rodar com ele uma ou duas vezes. Tentavam em vão, é verdade, porque Benedito só tinha olhos (mãos e pés) para a sua adorada.
Mas Beatriz andava insatisfeita. Sabia que tinha tudo para ser uma mulher muito feliz, mas sentia-se sufocada pelo amor super protetor de Benedito. Ela queria trabalhar, queria sair sozinha e usar minissaia como as outras moças da cidade. Casara-se muito cedo, por desejo de seu pai – que não queria arriscar a dignidade da filha –, e ficara muito animada ao ver que seu noivo era Benedito. Ela, que estava num fogo brabo desde que Rosinha lhe contara sobre a lua de mel, quis logo adiantar os preparativos do casório. Casaram e pronto, foi uma grande festa. Viajaram para uma cidadezinha bonita, no interior de Pernambuco. A cidade não tinha nada especial, mas o hotel era uma beleza, e o casal voltou numa felicidade só. Só que a felicidade fora embora assim como chegara: de repente.
Ninguém entendia porque Beatriz insistia em dizer que estava cansada daquela vida. Mas Beatriz tinha seus motivos. Antes de casar com Benedito, ela era sempre o centro das atenções. A moça mais bonita do bairro, a aluna mais inteligente da sala, a melhor dançarina do clube, a jóia rara dos pais... Agora ela era apenas a mulher de Benedito. Até sua mãe vivia se exibindo por causa do genro.
Outro dia, quando passava na rua, com Benedito, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– A Beatriz é mesmo muito sortuda!
– Que Beatriz?
– Aquela, que casou com Benedito...
Ela ficou tão triste que passou o resto do dia pensando em uma forma de recuperar a sua identidade. Pensou em fugir com o circo, ter um caso com o jardineiro da vizinha, andar pelada na rua... Mas todas essas coisas seriam rapidamente esquecidas. Nada que fizesse poderia enturvar a imagem perfeita que Benedito tinha. Foi então que Beatriz soube o que precisava ser feito. E durante a noite, ela sufocou Benedito com um travesseiro.
A mãe de Beatriz nunca mais falou com ela, o pai de Beatriz pagou um médico para dizer que Benedito morrera de infarto – a vizinhança custou a acreditar que Benedito, aquele moço tão bonito e saudável fosse morrer assim do nada, mas depois de um tempo parou de comentar. Beatriz nunca encontrou outro marido, e as mulheres que cobiçavam Benedito agora estavam casadas e com filhos.
Mas, num dia desses, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– Lembra de Beatriz?
– Que Beatriz?
– Aquela, que matou Benedito...


Nota de agradecimentos: ao (meu) César, por dizer pra Dora matar Benedito, ao Charlie, por mudar o nome de Dora pra Beatriz, e a Marina pelo "fogo brabo". Pra mais sugestões, usem os comentários.

19 de outubro de 2009

É de lágrima

Eu descobri que tinha crescido quando chorar não resolvia mais os meus problemas. Mas como os velhos hábitos nunca me deixam, eu continuo chorando...

15 de outubro de 2009

Pathos

Ele
Tão terno
Sem terno
Em cima de mim
Eu
Tão rouca
Sem roupa
Gritando que sim
Nós
Tão juntos
Em muitos
Orgasmos sem fim

Quem me segue (se perde comigo)