26 de novembro de 2009

Caindo

Aquele dia estava sendo realmente ruim. Um dia realmente ruim entre uma seqüência de dias realmente ruins. Na verdade, ele não lembrava a última vez que seu dia fora somente ruim.
Chovia um pouco. O trânsito estava parado na avenida, mas ele não se preocupava com isso, pois seu carro fora tomado na semana anterior para quitar algumas dívidas. Sua casa também fora hipotecada e estava por um fio. Ele tinha sido recusado em mais uma entrevista de emprego, enquanto seus antigos amigos estavam casados e bem sucedidos. Seu pai não telefonava há meses, parecia estar decepcionado demais com a ruína do único filho. Sua única namorada fugira com seu primo de segundo grau e o deixara só, mas – de certa forma – ele estava contente por não ter filhos - não queria mesmo propagar sua espécie fracassada.
Sufocado pelas paredes, ele decidiu que precisava de ar fresco. Saiu de casa, ignorando o rapaz de macacão azul que viera cortar a luz, e saiu pela calçada. Há muito tempo já perdera sua verdadeira luz. E há muito tempo perdera também qualquer estímulo para continuar vivendo.
Ele olhou em volta.
E seguiu em frente.
Olhou para os carros, as vitrines, os semáforos.
E seguiu em frente.
Olhou para as pessoas na rua, caminhando alegremente.
E seguiu em frente.
Olhou para casais, amigos, famílias.
E viu como estava tão só.
Foi aí que tudo veio à tona – toda sua dor. Lembrou-se do pai gritando, chamando-o de moleque inútil. Lembrou do seu primeiro F. Da primeira vez que se declarou a uma garota e levou um fora. Lembrou da primeira vez que seu currículo foi devolvido. E perdeu a conta, ao tentar lembrar-se de quantas vezes esse ciclo se repetiu. Ele percebeu que estava cansado de perder. Estava cansado de todo aquele sofrimento. Estava cansado do peso que era carregar a própria existência nas costas, sem nunca receber nada – de bom – em troca. Ele percebeu que estava cansado demais para continuar seguindo em frente.
Inconscientemente, chegou ao prédio da Faculdade (onde havia se formado). A cada andar que subia, tinha mais certeza de que queria acabar de uma vez com tudo.
Ele chegou na cobertura, caminhou até a borda.
E depois caiu...
 - Não é bonito?
Ele se virou.
- Como?
- O arco-íris. Não é bonito?
E olhou pra menina que apontava para frente.
- E as árvores? Nem parece que são tantas, lá de baixo. Você não acha esse lugar agradável? Gosto de sentir o vento... E de ver as árvores, é claro. Parece um mar verde, não parece? Verde é uma linda cor. A minha preferida.
- Verde?

- Ah, e veja só o céu... Não parece um mar de cabeça pra baixo? Tudo pode parecer mar. E o azul é tão tranqüilo... Azul é definitivamente a minha cor favorita.
- Azul? Mas...
- É verdade, eu disse que era verde. Mas quer saber? Gosto das duas.
Ela sorriu, e só então ele percebeu que não tinha caído. Tinha apenas olhado pra baixo e imaginado a queda. Esquecera, entretanto, de olhar também o arco-íris, e as árvores, e o céu. Esquecera de sentir o vento. E esquecera até mesmo de olhar em volta para se certificar que não tinha mais ninguém.
De repente ele resolveu olhar pro passado também. O que mais havia deixado de olhar?
E ele viu seu pai ensinando a jogar futebol. Viu a satisfação no rosto da sua mãe quando ele tirou aquele B sofrido no colegial. Viu seu professor aplaudi-lo pelas costas em sua formatura. Viu sua primeira paixão lhe sorrindo. Viu-se entre amigos, jogando conversa fora...
- Porque você não sai daí? Eu sei que a vista é melhor, mas é bem perigoso.
Ele segurou forte a mão que ela estendeu.
E depois seguiram em frente - juntos.

23 comentários:

Maria Midlej disse...

Sensível. Lindo.

Ele sou eu, porque hoje eu quase caí, mas olhei pra trás...

Tiago Moralles disse...

Essas coisas de segurar na mão, vão longe viu.

Marcelo Mayer disse...

e ainda acho que não vai muito longe, não

Henrique disse...

Estou precisando de um anjo da guarda, que nem essa menina aí víu...

César Schuler disse...

Arco-íris é a minha segunda cor preferida (depois da cor de macaxeira)

Que menina zen, acho que ela é de peixes. Ou talvez seja de escorpião, e o maníaco depressivo seja de câncer. (:

Blog Dri Viaro disse...

Olá, passei pra conhecer seu blog, e desejar bom fds.
bjsss

aguardo sua visita :)

Desmanche de Celebridades disse...

Belo texto.

A redenção é algo que só se vive uma vez.

Abraços.

Tiago Fagner disse...

Ele teve sorte de achar um para-quedas antes do fim.

Mariana Andrade. disse...

como já diz Nando: "é bom olhar pra trás e admirar a vida que soubemos fazer".

mas sabe o que é ruim? a maioria das pessoas acaba se jogando mesmo.. e sentem o vento de uma maneira que se torna infeliz.

Unknown disse...

Parafraseando uma amiga "isso é uma crônica".

Existe um lirismo singular nos contos que escreve.

Érica Ferro disse...

E eles seguiram em frente juntos, até que um dia eles se separam e cada um segue só.
Mas, algumas passadas depois, encontram outros acompanhantes e seguem.
Porque o que importa é seguir e enxergar os lados bons que sempre vão existir em nossa vida e nos estimularão a seguir em frente, sem desistir jamais.

Lindo o texto.

Beijo.

P.s: Nivaldão é BEM bom mesmo, né? Adoooooro.

Pâmela Marques disse...

Doce.

Ia lendo, lendo e caindo junto com o homem. Imaginava que teria um final triste. Ledo engano.
Vi esperança no teu texto. O que eu desejo - ardentemente - em minha vida.

Beijo flor =D

gabi disse...

ele ganhou um anjo;

Guilg7 disse...

eu estava sozinho, em queda livre
tentando da minha melhor forma não esquecer
o que aconteceu a nós
o que aconteceu comigo
o que aconteceu quando deixei isso escapar

http://guilg7.blogspot.com/

vlw

Erica Vittorazzi disse...

Lindo texto. Sempre Há um anjo olhando um arco-íris...sempre!

César Schuler disse...

http://www.4shared.com/file/66885300/1dfe390f/Tequila_Baby_-_Sangue_Ouro_e_P.html

CL disse...

Tudo fica mais fácil quando há dedos entrelaçados nos seus.

Kristina Mendonça disse...

A gente sempre dá ênfase às nossas tristezas, mas elas parecem tão profundas. O texto é bem fixante :B
Me lembrou um livro ... "O vendedor de sonhos" ...

E obrigada pelo elogio e das boas-vindas (;

Matheus Sobral. disse...

No meio da queda, ela ensinou ele a voar xD

Eri disse...

as vezes tem de se olhar com outros olhos pra ver a beleza

A Magia da Noite disse...

há quedas que viram a vida de pernas para o ar.

Charles Bravowood disse...

Eu realmente senti que os dois caiam, já ia me descabelar! Ótimo!

Charlie B.

Maurilo disse...

muito bom moça
bonito, sensível, bonito.

Quem me segue (se perde comigo)