Margarida era a moça mais bonita que meus olhos tiveram o prazer de ver. Pra falar a verdade, depois que eu a vi, aquele dia na padaria, todas as outras moças me pareciam feias e sem graça nenhuma. Margarida não, Margarida tinha graça de sobra. Acho que Deus deu a graça de umas vinte pessoas só a Margarida, e, por isso, por onde ela plantava sorrisos, ela colhia suspiros. Pelo menos comigo era assim. Eu lembro que até esqueci de respirar uma vez, quando a vi se inclinar sobre o balcão para pedir dez pães francês ao padeiro. Aquela voz de veludo, a forma como ela unia os lábios para falar “pão”, era a melhor música do mundo pra mim. Ah, como eu queria que ela falasse “pão” no meu ouvido! Eu queria ter falado com ela, mas quando ela passou por mim, abraçando aquele saco de papel, eu esqueci também como se falava, só pensava em como eu queria ser um saco de papel.
Depois daquele dia, eu virei o maior comprador de pão daquela padaria, que nem era perto da minha casa. Eu tinha entrado lá por acaso, pra me esconder do meu irmão mais velho, que queria bater em mim. Meu irmão mais velho sempre batia em mim para aliviar as tensões, e ele estava bem tenso naquela semana, porque – eu descobri ouvindo ele falar no telefone – ia ter um encontro com uma menina linda. Sorte a minha que ele não me alcançou, porque assim eu pude ver Margarida, o que se tornou um ritual para mim. Todo dia eu ia vê-la, não importava o que eu estivesse fazendo.
Mas um dia ela não apareceu na padaria. Eu fiquei esperando a tarde toda, porque era comum ela se atrasar, mas foi em vão. A padaria fechou sem que Margarida comprasse pão, e foi como uma noite sem estrelas pra mim. Cheguei em casa cabisbaixo, borocoxô que só eu, quando ouvi um grito vindo do andar de cima.
“Por favor, pare, por favor” Eu ouvi alguém gritando, e soube imediatamente de quem se tratava. Eu não podia estar enganado, porque eu sempre sonhava com Margarida sussurrando palavras começadas em “P” no meu ouvido. Era ela. Eu larguei a mochila no chão e subi as escadas correndo, correndo muito, como se minha vida dependesse daquilo. Mas era tarde demais. Quando eu entrei no quarto, Margarida estava encolhida no chão, com as roupas meio rasgadas, e chorando bem baixinho – quase não dava para ouvir. Eu olhei pra frente e vi meu irmão com mais dois amigos rindo alto e fechando o zíper da calça. Eu não sei o que me deu, mas me subiu uma fúria tão grande, mas tão grande, que eu pensei que fosse matar aqueles três ali mesmo, à abajurzadas (foi o primeiro objeto que eu vi). E, na verdade, eu realmente teria feito isso, se não fosse pequeno e fraco demais. Me odiarei o resto da vida, por não ter conseguido dar a eles a lição que eles mereciam. No final do acontecido, eu também estava encolhido no chão, com a impressão de que meus ovos tinham sido arrancados a dentadas, mas eu chorava alto e soluçava. Ainda assim, chorando e soluçando, eu ajudei Margarida a se levantar. Peguei uma roupa pra ela e liguei pra ambulância, porque o chão tava cheio de sangue.
No outro dia eu fiquei sabendo que ela não estava ferida, e que o sangue não era nada demais. Mas Margarida nunca mais voltou a ser a mesma. Nem eu. Nós nos tornamos amigos, e eu pedi desculpa milhares de vezes, por não ter chegado a tempo. Ela sempre dizia que não tinha sido minha culpa, mas eu sei que foi. Eu sabia que meu irmão ia sair com uma menina linda, e o conhecia bem o bastante para saber o que ele pretendia, mas eu fui omisso e não fiz nada. Eu simplesmente pensei “coitada dessa menina linda que vai sair com ele”, e não fiz nada. Nada, nada, nada.
Agora Margarida não planta mais sorrisos, nem vai mais a padaria. Margarida agora passa os dias em casa, assistindo televisão, fazendo costura. Ela engordou, entristeceu, nunca casou. Margarida perdeu a graça, caiu em desgraça. E ninguém nem lembra dela, de como ela costumava ser, apenas reclamam dela ser amarga e rabugenta, e de não deixar as crianças brincarem em seu quintal. Agora Margarida só tem a mim. Eu, que olho pra ela e vejo, no fundo dos olhos, aquela moça bonita que ganhou meu coração comprando pão.
Depois daquele dia, eu virei o maior comprador de pão daquela padaria, que nem era perto da minha casa. Eu tinha entrado lá por acaso, pra me esconder do meu irmão mais velho, que queria bater em mim. Meu irmão mais velho sempre batia em mim para aliviar as tensões, e ele estava bem tenso naquela semana, porque – eu descobri ouvindo ele falar no telefone – ia ter um encontro com uma menina linda. Sorte a minha que ele não me alcançou, porque assim eu pude ver Margarida, o que se tornou um ritual para mim. Todo dia eu ia vê-la, não importava o que eu estivesse fazendo.
Mas um dia ela não apareceu na padaria. Eu fiquei esperando a tarde toda, porque era comum ela se atrasar, mas foi em vão. A padaria fechou sem que Margarida comprasse pão, e foi como uma noite sem estrelas pra mim. Cheguei em casa cabisbaixo, borocoxô que só eu, quando ouvi um grito vindo do andar de cima.
“Por favor, pare, por favor” Eu ouvi alguém gritando, e soube imediatamente de quem se tratava. Eu não podia estar enganado, porque eu sempre sonhava com Margarida sussurrando palavras começadas em “P” no meu ouvido. Era ela. Eu larguei a mochila no chão e subi as escadas correndo, correndo muito, como se minha vida dependesse daquilo. Mas era tarde demais. Quando eu entrei no quarto, Margarida estava encolhida no chão, com as roupas meio rasgadas, e chorando bem baixinho – quase não dava para ouvir. Eu olhei pra frente e vi meu irmão com mais dois amigos rindo alto e fechando o zíper da calça. Eu não sei o que me deu, mas me subiu uma fúria tão grande, mas tão grande, que eu pensei que fosse matar aqueles três ali mesmo, à abajurzadas (foi o primeiro objeto que eu vi). E, na verdade, eu realmente teria feito isso, se não fosse pequeno e fraco demais. Me odiarei o resto da vida, por não ter conseguido dar a eles a lição que eles mereciam. No final do acontecido, eu também estava encolhido no chão, com a impressão de que meus ovos tinham sido arrancados a dentadas, mas eu chorava alto e soluçava. Ainda assim, chorando e soluçando, eu ajudei Margarida a se levantar. Peguei uma roupa pra ela e liguei pra ambulância, porque o chão tava cheio de sangue.
No outro dia eu fiquei sabendo que ela não estava ferida, e que o sangue não era nada demais. Mas Margarida nunca mais voltou a ser a mesma. Nem eu. Nós nos tornamos amigos, e eu pedi desculpa milhares de vezes, por não ter chegado a tempo. Ela sempre dizia que não tinha sido minha culpa, mas eu sei que foi. Eu sabia que meu irmão ia sair com uma menina linda, e o conhecia bem o bastante para saber o que ele pretendia, mas eu fui omisso e não fiz nada. Eu simplesmente pensei “coitada dessa menina linda que vai sair com ele”, e não fiz nada. Nada, nada, nada.
Agora Margarida não planta mais sorrisos, nem vai mais a padaria. Margarida agora passa os dias em casa, assistindo televisão, fazendo costura. Ela engordou, entristeceu, nunca casou. Margarida perdeu a graça, caiu em desgraça. E ninguém nem lembra dela, de como ela costumava ser, apenas reclamam dela ser amarga e rabugenta, e de não deixar as crianças brincarem em seu quintal. Agora Margarida só tem a mim. Eu, que olho pra ela e vejo, no fundo dos olhos, aquela moça bonita que ganhou meu coração comprando pão.
14 comentários:
Lindo.
Lembrei da minha mãe. :) É.
ficou amargurada a margarida, pobrezinha.
tocante a tua história.
obrigada por isso. palavras de qualidade.
parabéns ;)
Natália,
Que texto mais gostoso de se ler. Lembrou de um filme que assisti ontem brasíleiro: Era uma vez. Assim, pelo amor inocente e puro que nasce, sabe?
Quantas margaridas não existem nesse mundo, né? Eu fiquei chocada com o que li, mas maravilhada pelo amor sereno e sincero do pequeno.
Perfeito teu texto, mulher. E ainda falas dos meus. Lindo.
nossa senhora.
juro que começo ri, das percas de fala com margarida comprando pão... mas depois me deu uma tristeza... a vida arrancou dela.
;/
Difícil pra alguém que ama de uma forma tão pura ver o ser amado ser tratado com tamanha brutalidade e, de repente, toda a delicadeza do amor se perder.
Difícil pra alguém que ama de uma forma tão pura ver o ser amado ser tratado com tamanha brutalidade e, de repente, toda a delicadeza do amor se perder.
Pobre da Margarida. E malditos que tiraram o encanto dela, que a forçaram a se tornar triste e cinza assim.
Muito chocante e bom teu texto.
Bom porque nos traz uma reflexão.
De qualquer modo, a estória (que pode muito bem ser história) nos toca.
Um abraço, Natália.
Tantas vezes a gente julga as pessoas, rotula... sem saber que elas podem ter uma história triste como a de Margarida, cuja vida amargou.
que irmão filho da puta...
eu matava enquanto ele estivesse dormindo.
como você consegue, hein? escrever coisas assim, tão perturbadoramente intensas e lindas o_o
Que vida amarga, da (a)margarida.
Você consegue mescla no ar: amor, tristeza e ódio.
Há tantas Mrgaridas em meus sonhos, todas elas sorriem e também dizem pão. Eu as amo, sem que elas saibam, as admiro sem que me vejam.
Eu senti um nó na garganta por esta Margarida, poxa poxa.
Me comoveu! Abração Naty
Charlie B.
Margarida murchou.
"apenas reclamam dela ser amarga e rabugenta"
Isso era o mínimo que ela poderia ser. Afinal, que graça tem uma flor sem pétalas?
Que triste =~~
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