16 de dezembro de 2009

Kiss me

Eu tinha dezesseis anos. Todas as minhas amigas já tinham beijado, menos eu. Não porque eu fosse feia e nenhum garoto quisesse me beijar, mas porque eu tinha muito medo.
Eu sabia todos os passos, desde o grau de inclinação da cabeça à altura de elevação do pé. Eu já tinha assistido centenas de filmes, treinava com gelo, laranja, manga, e fazia todos os testes de “você está preparada pra beijar?” da Capricho, Atrevida, Tititi e qualquer outra revista teen que pudesse me alienar do mundo. No espelho eu ficava ensaiando uma forma sexy de fechar os olhos - sem forçar demais, pra não parecer que não estava gostando, mas sem forçar de menos, pra não ficar piscando. Eu sabia que não podia fazer muito biquinho pra não parecer iniciante, e não podia ficar girando a língua feito hélice de helicóptero também. Levava na bolsa pastilhas de menta, hortelã e canela, além de escova de dentes e fio dental. Quando saía, nunca comia coisas com cebola, alho ou ovo. E o principal: eu sabia de cor a lista de meninos que eu supostamente havia beijado, porque se assumir como “BV” é suicídio pra meninas de dezesseis anos.

Eu tinha passado os últimos quatro anos evitando qualquer aproximação com o sexo oposto. Sempre que algum garoto demonstrava interesse em mim, eu inventava um namorado lindo que morava no acre. Isso até conhecer Marcos Alexandre, o novo amigo do meu irmão mais velho. Ele não era bobo como os meninos da minha sala. Era alto, forte, e tinha barba. Toda vez que eu olhava pra ele, eu imaginava a barba dele roçando no meu rosto, me fazendo cócegas, enquanto ele sussurrava barbaridades em meu ouvido. Quando eu pensava nisso dava um arrepio no corpo todo, uma agonia quente que vinha subindo desde o pé, e eu tinha que cruzar as pernas pra conter a onda de... tesão. Eu sei que é estranho uma menina que nunca beijou falar em tesão, mas eu tenho pra mim que sexo é bem mais fácil que beijo (e espero que seja mesmo).

As coisas com Marcos Alexandre ficaram mais complicadas quando ele começou a reparar em mim. Ele passava na minha casa à procura do meu irmão, mas quando meu irmão não estava, em vez de ir embora, ele ficava conversando comigo durante horas. Nós ríamos muito, e quase nos beijamos uma vez, mas eu não tive coragem. Me fiz de doida e virei o rosto. Fiquei me sentindo uma idiota na hora, mas depois achei que tinha sido melhor assim. Eu estava há muito tempo sem escovar os dentes, e nós tínhamos comido amendoim com casca enquanto assistíamos à sessão da tarde – imagina se tivesse uma casca de amendoim bem no meu dente?

Um dia Marcos Alexandre me chamou pra ir a uma festa com ele. Na hora eu fiquei surpresa que um homem de vinte e um anos quisesse aparecer em público com uma menina de dezesseis. Isso me fez pensar que ele gostava mesmo de mim, o que era um sério problema, porque eu também gostava muito dele, e não queria de jeito nenhum perder a chance de dar meu primeiro beijo em alguém que eu gostasse. Prometi pra mim mesma que não teria mais medo. Vesti um vestido vermelho super decotado, prendi o cabelo – pra que ele pudesse beijar meu pescoço depois – e coloquei perfume nos lugares mais estratégicos. Escovei os dentes tantas vezes que minha boca ficou dormente, enchi minha bolsa de trident, e fiquei cantarolando uma música da Sixpence None The Richer até ele chegar.

Ele me pegou em casa, e quase nos beijamos novamente quando entramos no carro, mas eu quebrei o clima pra avisar que eu tinha que estar em casa antes das duas da manhã. Marcos Alexandre riu. Tenho quase certeza que ele já estava arrependido por ter chamado a mim pra acompanhá-lo, em vez de uma menina madura que o deixasse beijar em paz. Mas se ele estava mesmo arrependido, não demonstrou. Quando chegamos, e eu vi toda aquela gente se beijando, eu decidi que precisava de uma ajudinha. Esperei o garçom passar com as bebidas e virei um copo inteirinho de sei-lá-o-quê. Eu nunca tinha bebido na vida, então fiquei tonta na mesma hora, mas senti uma sensação tão boa de “eu sou dona do mundo” que virei mais três copos depois. Marcos Alexandre, que parecia impressionado com a minha performance de adolescente irresponsável, me chamou pra tomar um ar lá fora. Eu fui. Fui andando atrás dele, pra dar tempo de colocar um trident na boca, e quando chegamos à varanda – a noite estava linda – ele colocou a mão em volta da minha cintura e avisou: “vou te beijar agora”.

Parecia que um elefante dançava no meu estômago quando ele disse isso. Eu achei estranho que não fossem borboletas, como nos livros, mas só entendi o porquê quando senti todo o meu café da manhã, almoço e jantar subirem pelo meu esôfago diretamente pra minha boca. Marcos Alexandre já estava bem próximo a mim quando eu o empurrei pra frente e vomitei nos nossos pés.

Aquele foi o momento mais constrangedor da minha vida. Olhei-o como uma criança que acaba de quebrar o jarro mais caro da mãe, cobri o rosto e comecei a chorar, implorando – entre um soluço e outro – que ele me perdoasse por ter estragado seus sapatos. Foi quando eu senti uma mão erguendo meu queixo. Ele retirou minhas mãos, me puxou contra si, e me surpreendeu com o melhor primeiro beijo com gosto de vômito e temperado com lágrimas que alguém poderia me dar. Eu não tive tempo para fechar os olhos, meu pé estava nojento demais pra fazer qualquer movimento, e Marcos Alexandre, que nunca fazia a barba, decidira fazê-la justo naquela noite. Mas começou a tocar aquela música da Sixpence, e nós dançamos juntinhos sobre um chão de vômito que mais parecia um chão de estrelas... 
“Oh, kiss me beneath the milky twilight
lead me out on the moonlit floor
lift up your open hand
strike up the band and make the fireflies dance
Silver moon's sparkling, so kiss me”.

36 comentários:

Pâmela Marques disse...

Hahaha.
Isso me fez lembra meu primeiro beijo, que qualquer dia desses eu tomo coragem e narro aqui. Constrangedor também. Eu não sabia beijar, haha.

Eu fico imaginando que essas coisas acontecem o tempo todo, meu primeiro beijo foi aos 12, morrendo de medo também. Ainda bem que não vomitei e nem bebi nada. Hahaha

disse...

Hahaha
AMEI!

Elefante dançando no meu estômago.
Isso é intensidade, não as cocegas da borboletas...

Meu primeiro beijo não foi tão intenso... nem sei se lembro pra contar.
Você nunca esquecerá o seu.

Muito bom mesmo.


Beijos

Natália Corrêa disse...

Me perdoem por essa historinha boba, super "Chiquitita". Eu estava com idade mental de 10 anos quando escrevi =P

Du Monteiro disse...

Se tu não tivesse demorado tanto para ceder, não precisava ter passado por todo esse mico. Sou todo gargalhadas aqui, e vou dizer, o cara é forte. Devia ansiar mesmo por um beijo teu, qualquer outro jamais beijaria uma boca vomitada.

hahah
Adorei, garota! Tu deixou um ar divertidamente trágico.

Tiago Fagner disse...

hahahahahahahah
Adorei o ar leve da história. Até qd é simples vc arraza. Minha cara como vc é cruel, fazendo o Marcos Alexandre sofrer tanto pra conseguir um beijo :P
Pelo menos no final ele ensinou ao seu EU LÍRICO que paranóia não combina com o boca-a-boca.

PS: Nat, adorei seu comentário lá no meu Kiss me, e tô amando todo mundo me contando o seu final para a história.
Bju linda!

Andrey Brugger disse...

Surpreendente e genial demais.
Saindo do clichê! hehee

Gostei bastante!
:P

Charles Bravowood disse...

Me matou.
O ar de algodão doce da história é tão lindo, tão contagiante que me fez entrar mesmo dentro dela, e justo naquele beijo que seria para ela o primeiro, ela vomita, tive que reler para crer, uahau, sensaciona, eu ri demais, até tampei a boca! uahahuha

"e coloquei perfume nos lugares mais estratégicos..." Safadeza isso..uaahu, todos merecemos um comportamento nada ortodoxo de vez em quando, hein?

Beijos e queijos!

Charlie B.

Ps. Viu só, consegui recriar a história, e eu confesso que ficou melhor do que antes. ^^

CL disse...

Meu primeiro beijo não foi constrangedor assim, mas foi ruim. Bem ruim. Se tivesse um gosto de vômito, acho que teria sido o campeão dos piores beijos, hahahaha!

Gostei Natália, muito criativo.
Beijo.

Anônimo disse...

Ei que bonito! é de verdade? Verdadeira nati? Eu quero participar dessas historinhas também heheheheh
meu beijo não foi tão constrangedor assim.

Anônimo disse...

Eh.. isso está super adequado a ações de adolescentes de dezesseis anos, eh eu sei.. experiencia propria...
Mas adorei... lindo lindo msm!! *--*

The Owl disse...

Putz, meu primeiro beijo foi tão desinteressante que até um vomitado parece melhor...hahah

Ela disse...

Ah, eu gostei HAHA

gabi disse...

aah, cara legal essa Marcos Alexandre ( mas e esse nome? hahaha).
gostava mesmo dela.

Glaucovsky disse...

então, quando vc quiser, eu to pronto! Escreve aí alguma coisa com seu humor acido q é ótimo. eu desenho.

Marcel Hartmann disse...

Simples e ótimo. Não abusou nem se excedeu, parabéns, ficou muito bom.

Nathalia Pacheco disse...

Hahaha, nossa Nath eu simplesmente adorei teu texto.. diferente de uns três dessa edição de Kiss Me o teu me fez rir, e ver como as opiniões ao redor de um assunto torna-se tão distintas. Vou vir sempre aqui, Ok ? kiss, kiss, kiss.. sem vômitos antecedente, rs.

Luciana Brito disse...

kkkkkkkkk eu ri!
Descreveu certinho uma adolescente e em partes até lembrei de mim.
Muito bom o teu texto. Original, eu digo.

Sabe que já passei por aqui e, assim como tu, nunca havia comentado... xD
Coisas da vida.

Beijo, conterrânea (?).
Ps. de recife o/

Unknown disse...

O mais legal que li dos 'kiss me' até agora!!!
Trágico, engraçado, inocente e, ainda por cima, romântico!!!
A-M-E-I!
Bjoca ;]

Noubar Sarkissian Junior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Noubar Sarkissian Junior disse...

Você sabe que essa história está longe de ter sido criada com uma "mente de 10 anos"! Todo o universo pré primeiro beijo do adolescente (talvez não tenha tido nada tão marcante em minha adolescência quanto a expectativa e o medo do primeiro beijo!) que você descreveu nos induz (nós, crescidos nas sessões da tarde! rs) a esperar o final feliz, e essa quebra - involuntária, vomitada - é realmente digna daquelas risadas que damos e depois pensamos: "não era pra rir..."

Li alguns dos outros textos temáticos, e gostaria de participar das próximas postagens coletivas!

beijos!

Matheus Sobral. disse...

Eu sempre fico surpreso com a sua versatilidade. Você manda bem em todos os gêneros, véi!
Ri alto aqui com essa história heueheuheueheueheue. Beijão

Camila disse...

Nossa, eu ri!
Que historia mais interessante, super criativa e fofa ao mesmo tempo.

Chão de estrelas! É quando se beija quem a gente gosta realmente vemos o mundo mais bonito.

Um beijO


Ps. Também 'beijei' lá nos meus Caminhos. :*

Luciana disse...

kkkkkkkkkk, adorei xD

Unknown disse...

Natália quando digo que você é fantástica no que escreve, conseguiu escrever como uma garota de 16 anos. O texto foi comédia-romantica. Adorei, parecia o universo de um filme teen.


Quando tem que beijar, o beijo ocorre mesmo entre vômito.

Maria Midlej disse...

Prefiro não narrar o meu primeiro beijo porque nao houve poesia UHAUAHUAHUAHAUHA Marcos Alexandre parece ser um cara legal... lindo, lindo o beijo... suspirei litros. HAHAHA

Carol Martins disse...

pqp, que nojo! UHAUHDUIAHDUHAUHIUA

Camila disse...

o primero beijo a gente não eskece :)

César Schuler disse...

Eu ainda morro de rir toda vez que leio o nome de Marcos Alexandre!

Maria Rita, Brasil. disse...

nunca imaginei que iria achar algo tão nojento e romântico ao mesmo tempo.
amei.


:*

Nathália von Arcosy disse...

Essa tua história deixa qualquer experiência estranha de primeiro beijo pra trás, haha. Muito, muito engraçada... Aposto que assim como eu, muitas outras meninas se identificaram de imediato com o tempo de BV...

O mais gostoso, no entanto, é aquela sensação de romancezinho que fica na gente depois de ler. <3

Anônimo disse...

Ecaaa... tava tudo indo tão bem! Meu primeiro beijo não foi lá maravilhoso, mas pelo menos não tinha gosto de vômito kkkk

Érica Ferro disse...

Que delícia de beijo, hein? HASUHASUHAS

Adorei o modo como você narrou tudo isso. Fica tudo tão gostoso de ler se é você quem escreve.

Beijo.

stella scrummiest disse...

Excelente, magnífico. Amei.

Parabéns.

Voltarei mais vezes aqui.

www.scrummiest.blogspot.comm

Elizabeth disse...

amiga, euri!
engraçado como na tua história beijar uma boca vomitada parece bem menos nojento!
SAHSUAHSUAHU
com certeza na vida real não é assim, fato!
:*

Andre Martin disse...

Hahhahahaha
Nunca li uma história de primeiro beijo tão divertida! KKKK
Esse Marcos Alexandre, foi naquele seu herói e também muito apaixonado!
Mas nojeiras à parte, se você pensar bem, sexo é um nojo só, e quase todo mundo quer e adora e nem liga pras porcarias que cada doido faz na hora do "vamuvê" rsrs

Abraço,
AndreM
http://mesdre.blogspot.com
http://famainfame.blogspot.com
http://tremusdamivi.blogspot.com

Minha Vida disse...

kkkkk
meu primeiro beijo não foi tão "emocionante" como o seu, mas confesso que foi estranho também, pareceu tão nojento. kkkkk

Quem me segue (se perde comigo)