Beatriz tinha um marido. Um marido bonito, robusto, de aparência muito imponente. Era Benedito, mais conhecido como “bendito Benedito" pelas outras mulheres de bairro.
Embora tivesse um bom coração, Benedito ainda era um homem rude e antiquado, com costumes bastante ultrapassados.
Benedito não deixava Beatriz trabalhar. Para ele, lugar de mulher era em casa, cuidando do fogão e cuidando dos filhos. Mas ele não se importava que Beatriz não pudesse ter filhos (retirara o útero por engano, numa cirurgia de varizes); para ele isso era até bom, pois sobrava tempo para ela lhe fazer massagens quando chegava cansado do trabalho.
Entretanto, Benedito era um ótimo marido. Não passava um dia sequer, sem que ele enviasse flores à sua esposa. Ele a levava ao parque, ao teatro, ao mercado, e a qualquer outro lugar que ela desejasse – desde que com ele. Às vezes também saiam para dançar, e tudo que se ouvia eram suspiros das mulheres que sonhavam estar no lugar de Beatriz. Benedito era um pé de valsa, e até as melhores amigas de Beatriz já haviam tentado rodar com ele uma ou duas vezes. Tentavam em vão, é verdade, porque Benedito só tinha olhos (mãos e pés) para a sua adorada.
Mas Beatriz andava insatisfeita. Sabia que tinha tudo para ser uma mulher muito feliz, mas sentia-se sufocada pelo amor super protetor de Benedito. Ela queria trabalhar, queria sair sozinha e usar minissaia como as outras moças da cidade. Casara-se muito cedo, por desejo de seu pai – que não queria arriscar a dignidade da filha –, e ficara muito animada ao ver que seu noivo era Benedito. Ela, que estava num fogo brabo desde que Rosinha lhe contara sobre a lua de mel, quis logo adiantar os preparativos do casório. Casaram e pronto, foi uma grande festa. Viajaram para uma cidadezinha bonita, no interior de Pernambuco. A cidade não tinha nada especial, mas o hotel era uma beleza, e o casal voltou numa felicidade só. Só que a felicidade fora embora assim como chegara: de repente.
Ninguém entendia porque Beatriz insistia em dizer que estava cansada daquela vida. Mas Beatriz tinha seus motivos. Antes de casar com Benedito, ela era sempre o centro das atenções. A moça mais bonita do bairro, a aluna mais inteligente da sala, a melhor dançarina do clube, a jóia rara dos pais... Agora ela era apenas a mulher de Benedito. Até sua mãe vivia se exibindo por causa do genro.
Outro dia, quando passava na rua, com Benedito, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– A Beatriz é mesmo muito sortuda!
– Que Beatriz?
– Aquela, que casou com Benedito...
Ela ficou tão triste que passou o resto do dia pensando em uma forma de recuperar a sua identidade. Pensou em fugir com o circo, ter um caso com o jardineiro da vizinha, andar pelada na rua... Mas todas essas coisas seriam rapidamente esquecidas. Nada que fizesse poderia enturvar a imagem perfeita que Benedito tinha. Foi então que Beatriz soube o que precisava ser feito. E durante a noite, ela sufocou Benedito com um travesseiro.
A mãe de Beatriz nunca mais falou com ela, o pai de Beatriz pagou um médico para dizer que Benedito morrera de infarto – a vizinhança custou a acreditar que Benedito, aquele moço tão bonito e saudável fosse morrer assim do nada, mas depois de um tempo parou de comentar. Beatriz nunca encontrou outro marido, e as mulheres que cobiçavam Benedito agora estavam casadas e com filhos.
Mas, num dia desses, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– Lembra de Beatriz?
– Que Beatriz?
– Aquela, que matou Benedito...
Nota de agradecimentos: ao (meu) César, por dizer pra Dora matar Benedito, ao Charlie, por mudar o nome de Dora pra Beatriz, e a Marina pelo "fogo brabo". Pra mais sugestões, usem os comentários.
Embora tivesse um bom coração, Benedito ainda era um homem rude e antiquado, com costumes bastante ultrapassados.
Benedito não deixava Beatriz trabalhar. Para ele, lugar de mulher era em casa, cuidando do fogão e cuidando dos filhos. Mas ele não se importava que Beatriz não pudesse ter filhos (retirara o útero por engano, numa cirurgia de varizes); para ele isso era até bom, pois sobrava tempo para ela lhe fazer massagens quando chegava cansado do trabalho.
Entretanto, Benedito era um ótimo marido. Não passava um dia sequer, sem que ele enviasse flores à sua esposa. Ele a levava ao parque, ao teatro, ao mercado, e a qualquer outro lugar que ela desejasse – desde que com ele. Às vezes também saiam para dançar, e tudo que se ouvia eram suspiros das mulheres que sonhavam estar no lugar de Beatriz. Benedito era um pé de valsa, e até as melhores amigas de Beatriz já haviam tentado rodar com ele uma ou duas vezes. Tentavam em vão, é verdade, porque Benedito só tinha olhos (mãos e pés) para a sua adorada.
Mas Beatriz andava insatisfeita. Sabia que tinha tudo para ser uma mulher muito feliz, mas sentia-se sufocada pelo amor super protetor de Benedito. Ela queria trabalhar, queria sair sozinha e usar minissaia como as outras moças da cidade. Casara-se muito cedo, por desejo de seu pai – que não queria arriscar a dignidade da filha –, e ficara muito animada ao ver que seu noivo era Benedito. Ela, que estava num fogo brabo desde que Rosinha lhe contara sobre a lua de mel, quis logo adiantar os preparativos do casório. Casaram e pronto, foi uma grande festa. Viajaram para uma cidadezinha bonita, no interior de Pernambuco. A cidade não tinha nada especial, mas o hotel era uma beleza, e o casal voltou numa felicidade só. Só que a felicidade fora embora assim como chegara: de repente.
Ninguém entendia porque Beatriz insistia em dizer que estava cansada daquela vida. Mas Beatriz tinha seus motivos. Antes de casar com Benedito, ela era sempre o centro das atenções. A moça mais bonita do bairro, a aluna mais inteligente da sala, a melhor dançarina do clube, a jóia rara dos pais... Agora ela era apenas a mulher de Benedito. Até sua mãe vivia se exibindo por causa do genro.
Outro dia, quando passava na rua, com Benedito, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– A Beatriz é mesmo muito sortuda!
– Que Beatriz?
– Aquela, que casou com Benedito...
Ela ficou tão triste que passou o resto do dia pensando em uma forma de recuperar a sua identidade. Pensou em fugir com o circo, ter um caso com o jardineiro da vizinha, andar pelada na rua... Mas todas essas coisas seriam rapidamente esquecidas. Nada que fizesse poderia enturvar a imagem perfeita que Benedito tinha. Foi então que Beatriz soube o que precisava ser feito. E durante a noite, ela sufocou Benedito com um travesseiro.
A mãe de Beatriz nunca mais falou com ela, o pai de Beatriz pagou um médico para dizer que Benedito morrera de infarto – a vizinhança custou a acreditar que Benedito, aquele moço tão bonito e saudável fosse morrer assim do nada, mas depois de um tempo parou de comentar. Beatriz nunca encontrou outro marido, e as mulheres que cobiçavam Benedito agora estavam casadas e com filhos.
Mas, num dia desses, Beatriz ouviu duas amigas (que costumavam ser suas amigas também) conversando:
– Lembra de Beatriz?
– Que Beatriz?
– Aquela, que matou Benedito...
Nota de agradecimentos: ao (meu) César, por dizer pra Dora matar Benedito, ao Charlie, por mudar o nome de Dora pra Beatriz, e a Marina pelo "fogo brabo". Pra mais sugestões, usem os comentários.
17 comentários:
Perfeito. Teu melhor texto entre os que li. Pena que Beatriz descobriu tarde que velhos fantasmas criados por gerações não somem se os escondermos embaixo do travesseiro.
Ah, e se a Natalia tiver o mesmo coração feminista e necessitado de liberdade da Beatriz, tá rolando um concurso nacional de redações sobre igualdade de gênero. Acho que você se daria muito bem nele. ^^
E, enfim, Beatriz se libertou da perfeição e do amor sufocante.
Ótima metáfora! ^^
Beijo.
euri
e ri também do comentário do cara aí falando de "esconder os fantasmas debaixo do travesseiro"
Dora era um nome bonito, mas Beatriz fica melhor para uma assassina de marido mesmo.
"fogo brabo" UHAUEHAUHEAUEHAE
:*
[quando for me matar use uma torradeira]
_ Eu adoro o jeito que escreve, é engraçado e como já disse dançante.
parabéns.
Enquanto ao nome do blog, planejar é motivo pra não fazer, Rs.
Achei genial, tipo de conto que prende a gente. Soube tirar a Beatriz do paraíso e jogá-la no inferno, com dignidade confesso.
beatriz se livrou da liberdade que tanto a prendia
eu reconheço esse "fugir com o circo".
beijos, mel.
Maravilhoso!
Mesmo que eu observe atentamente, é impossível encontrar algum erro nos seus textos.
Não que eu fique procurando-os.
Sempre impecáveis seus textos, Natália.
Beatriz, adoro o nome, adoro a música.. Beatriz estava desesperada.
E deu uma morte pouco digna ao marido.
beijão!
muito bacana, rsrs, fazendo uma analogia precisamos matar nossos beneditos realmente, rs, que nos fazem "feliz" (e o que é ser feliz) mas não nos deixam crescer, rs
bons dias
ahaam, colokei os creditos lá no blog, vc viiu?
haha obriigada mesmo assim
onde vc consegue esas imagens?
bejoos
Felicidade é um infinito tão particular, que Beatriz matou o Benedito-Bendito (maldito?!)
Hein!
Gosteiiiii ^^
Beijos
parabens por esse teu modo gostoso de escrever.
Gosto de voltar aqui.
Maurizio
ah, eu gostei do texto. foge da tua linha, mas ainda sim muito bom.
também teria mudado de Dora pra Beatriz.
e eu não entendi o 'fogo brabo'
bj bj
eu só me pergunto se a Beatriz não sabia que o Benedito tinha essas "regras" antes de casar com ele...
o texto é coerente, mas deu pena do Benedito, não merecia morrer.
ps: combinou mais Beatriz do que Dora, ponto pra quem sugeriu a mudança do nome
ps 2: eu gostei do apelido que o cara tinha na vizinhança uhauhauhauhauhuhauh
^^
Muito bom mesmo ! Adorei (:
A parte mais estranha foi a retirada do útero por causa de uma operação para varizes , sshuhe . Mas enfim, foi bom o exemplo da capacidade de ser egocêntrica do ser humano.
Legal! Me lembrou Nelson Rodrigues em alguns trechos. Pedindo perdão pela intromissão, só estranhei um pouco a morte por sufocamento com travesseiro, pois isso normalmente requer que o assassino tenha bem mais força que a vítima. Mas são detalhes. Parabéns!
Postar um comentário