Podia ser João, José ou Roberto; mas olhando pra ele, acho que é Raimundo. Os olhos são sagazes, embora transmitam cansaço e pesar. Os pés, descalços, estão cheios de calos; e eu me pergunto por quanto asfalto quente ele já não caminhou.
Eu gostaria de saber da história de Raimundo, mas não tendo coragem de perguntar, eu invento. Não que eu tenha medo dele, dele não; tenho medo de descobrir que ele está aqui porque matou alguém e fugiu pra não ser preso - ou qualquer coisa do tipo. Tenho medo de descobrir que toda essa penúria é conseqüência de uma única escolha errada, cuja responsabilidade cabe apenas a ele. Tudo fica mais difícil, se não podemos culpar ninguém. E pra que deixar as coisas ainda mais difíceis do que já são?
Por isso, eu gosto de inventar. Olho pra Seu Raimundo e penso que ele está esperando alguém. Um grande amor, talvez. E ele está com medo de que ela apareça justo quando ele for embora. E, temendo, fica sempre aqui, nessa praça, debaixo de chuva e sol. Sem reclamar.
Enquanto espera, Raimundo também inventa histórias. Quando chove, ele inventa que Luísa - Luísa parece um bom nome para um grande amor - está presa por causa da enchente. Quando faz sol, é culpa do carro que quebrou no meio da estrada e está difícil de consertar.
Raimundo às vezes chora, quando não tem ninguém passando. É a tristeza de pensar que talvez Luísa tenha sido mordida pelo bicho da morte. É, pra Raimundo a morte é que nem bicho; uma fera traiçoeira, perversa, que fareja o medo à quilômetros de distância. Por isso, quando bate aquele aperto no peito, ele volta os olhos pro firmamento e pede força pra enfrentar a fera e suas crias: a fome, o frio, a doença, e ela, a filha preferida da morte - a desistência.
E assim Raimundo vai vivendo. Quando os pés doem demais, ele deita e fica olhando pro céu [ele prefere fazer isso a noite, quando há um milhão de estrelas brilhando para ele, igualzinho aos olhos de sua amada]. Quando a fome aperta, ele pede uma ajuda. E quando é a saúde que balança, ele bebe das lágrimas de algum Deus complacente, que caem sobre ele disfarçadas de chuva. No frio, ele imagina os braços de Luísa à sua volta, e como mágica, o sangue se aquece, e a pele é chaminé para o calor da esperança, que se renova sempre pra que ele não desista nunca.
Boa sorte, Raimundo. Boa fé.
Eu gostaria de saber da história de Raimundo, mas não tendo coragem de perguntar, eu invento. Não que eu tenha medo dele, dele não; tenho medo de descobrir que ele está aqui porque matou alguém e fugiu pra não ser preso - ou qualquer coisa do tipo. Tenho medo de descobrir que toda essa penúria é conseqüência de uma única escolha errada, cuja responsabilidade cabe apenas a ele. Tudo fica mais difícil, se não podemos culpar ninguém. E pra que deixar as coisas ainda mais difíceis do que já são?
Por isso, eu gosto de inventar. Olho pra Seu Raimundo e penso que ele está esperando alguém. Um grande amor, talvez. E ele está com medo de que ela apareça justo quando ele for embora. E, temendo, fica sempre aqui, nessa praça, debaixo de chuva e sol. Sem reclamar.
Enquanto espera, Raimundo também inventa histórias. Quando chove, ele inventa que Luísa - Luísa parece um bom nome para um grande amor - está presa por causa da enchente. Quando faz sol, é culpa do carro que quebrou no meio da estrada e está difícil de consertar.
Raimundo às vezes chora, quando não tem ninguém passando. É a tristeza de pensar que talvez Luísa tenha sido mordida pelo bicho da morte. É, pra Raimundo a morte é que nem bicho; uma fera traiçoeira, perversa, que fareja o medo à quilômetros de distância. Por isso, quando bate aquele aperto no peito, ele volta os olhos pro firmamento e pede força pra enfrentar a fera e suas crias: a fome, o frio, a doença, e ela, a filha preferida da morte - a desistência.
E assim Raimundo vai vivendo. Quando os pés doem demais, ele deita e fica olhando pro céu [ele prefere fazer isso a noite, quando há um milhão de estrelas brilhando para ele, igualzinho aos olhos de sua amada]. Quando a fome aperta, ele pede uma ajuda. E quando é a saúde que balança, ele bebe das lágrimas de algum Deus complacente, que caem sobre ele disfarçadas de chuva. No frio, ele imagina os braços de Luísa à sua volta, e como mágica, o sangue se aquece, e a pele é chaminé para o calor da esperança, que se renova sempre pra que ele não desista nunca.
Boa sorte, Raimundo. Boa fé.
4 comentários:
Raimundo é como um reflexo de toda gente, só que sem sapatos e sem ter o que comer.
E quantos não são os Raimundos?
Me ensina a ver o mundo assim?
Seus 17 e poucos anos já rederam bons frutos!
Bela estória... Gostaria de conhecer mais a vida de Raimundo.
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